Não subestimem o capitão

Introduzida na Constituição em 1997, no Governo FHC, a reeleição favorece naturalmente os candidatos que estão no poder, com o domínio da máquina pública e dos dinheiros do erário

Jair Bolsonaro quer continuar sendo presidente da República a partir de 2023. Qual a estratégia?

Os jovens talvez ignorem a redação original do Art. 14, § 5º, da Constituição da República. Prescrevia o dispositivo: “São inelegíveis para os mesmos cargos, no período subsequente, o Presidente da República, os Governadores de Estados e do Distrito Federal e quem os houver sucedido, ou substituído nos seis meses anteriores ao pleito”.

O dispositivo visava garantir que as disputas se desenvolvessem em condições de relativa igualdade. Foi no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso que o Congresso Nacional aprovou a Emenda nº 16, de 5/6/1997, para permitir a reeleição do Presidente, dos Governadores e Prefeitos “para um único período subsequente”.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defende a aprovação da Emenda dos Precatórios, também conhecida como PEC do Calote – Foto: Orlando Brito

Dizem que a aprovação exigiu esforços retribuídos com dinheiro do Tesouro. Não sei e já não interessa saber. Observo a velha máxima do jornalismo, segundo a qual “quando a versão é convincente, publique-se a versão”. A compra de votos aparenta ser vício recorrente. É o que estaria acontecendo para aprovação da Emenda dos Precatórios, melhor conhecida Emenda Paulo Guedes ou do Calote.

A possibilidade da reeleição modificou de forma radical o cenário político. Mandato de quatro anos passa ser multiplicado por dois. Presidente, governadores, prefeitos, mal tomam posse iniciam campanha pela reeleição. Não deliro. Foi o que se observou nos governos de Fernando Henrique, de Luiz Inácio Lula da Silva, de Dilma Rousseff e, agora, do presidente Jair Bolsonaro.

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, alia sua imagem à de JK – Foto: Orlando Brito
Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro do Governo Bolsonaro, também quer ser candidato à presidente da República – Foto: Orlando Brito
Lula vai tentar o terceiro mandato como presidente da República? – Foto: Orlando Brito

Candidato ao segundo mandato, Bolsonaro partirá com acentuada vantagem em relação aos concorrentes. Lula, Moro, Doria, Eduardo Leite, Henrique Mandetta, Rodrigo Pacheco estão entre os mais conhecidos. A senadora Simone Tebet tenta correr por fora, pelo MDB.

Acredito que o presidente vencerá no primeiro turno. Não alcançará, porém, maioria absoluta. Terá passagem garantida para o segundo. Além dos recursos financeiros que lhe proporcionam a chefia do Poder Executivo, o presidente Bolsonaro revela, desde as eleições passadas, habilidade no uso das redes sociais, ferramentas decisivas na sociedade informatizada. Governa com o ímpeto do búfalo e a falta de escrúpulos da hiena. Dispõe de aliados fanatizados, entre os quais desperta entusiasmo não constatado entre os apoiadores de candidatos a candidatos.

Os jovens abandonaram o hábito da leitura. Consultam o notebook. Com celular e tripé criam canais de comunicação eletrônica, participam de debates e se tornam influenciadores. Na sociedade informatizada o mais modesto trabalhador, ou a simples dona de casa, se utilizam do telefone móvel para receber notícias verdadeiras ou falsas e integram grupos de trocas de informações.

Parte da grande imprensa lhe é adversária. Pergunto, porém, de que valem hoje os editorais dos velhos jornais diários. Foi-se o tempo em que Carlos Lacerda derrubava presidentes. A mediocridade entre parlamentares estimula a audácia do presidente. Como trator, S. Exa. baixa medidas provisórias, decretos e encaminha emendas constitucionais, para semear confusão e proteger a retaguarda jurídica.

A sonhada terceira via poderá vir, mas ramificada. João Doria, Eduardo Leite, Aécio Neves loteiam o PSDB e o enfraquecem. Lula carrega dois fardos: a idade e a Lava-Jato. Ciro Gomes reúne experiência e inteligência, mas se mostra incapaz de articular alianças. Moro é pouco conhecido além dos muros do Poder Judiciário. Simone Tebet deveria contar com o apoio maciço do eleitorado feminino. Ignora-se, contudo, se conseguirá.

Tancredo Neves, eleito presidente da República pelo Congresso Nacional em 1985, não chegou a assumir – Foto: Orlando Brito

Sou visceralmente contra reeleições. Mas olho, observo, analiso. Subestimar o capitão por ser tosco, iletrado, brusco, deselegante, incapaz de permanecer calado, não melhora a posição dos adversários, cujo principal obstáculo consiste na intestina fragmentação. Em 1985, a inimitável habilidade de Tancredo Neves dividiu a Arena, fortaleceu o PMDB, atraiu os dissidentes do governo militar. A oposição não conta, entretanto, com alguém que se assemelhe a Tancredo.

Jair Bolsonaro partirá para a disputa com o apoio de oficiais e praças da ativa e da reserva, de policiais civis e militares, do agronegócio, dos conservadores, dos pecuaristas, dos fabricantes e comerciantes de armas, dos inimigos do PT, do PCdoB, do PDT, de empresários e de todos que receiam a subida ao poder de petistas, comunistas, socialistas e anarquistas, que ainda os há.

Conseguirão os adversários de centro-esquerda se unir em majoritária aliança para lançar alguém que chegue ao segundo turno com chances de vitória? É a pergunta que paira no ar.

* Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho) 

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