Nada ortodoxa

Uma comunidade religiosa, uma personagem complexa, uma jovem e promissora atriz. Eis alguns elementos desta resenha redigida para Os Divergentes

Você tem um pequeno e delicado tesouro escondido em sua plataforma de streaming Netflix. “Nada Ortodoxa” é o nome dele, minissérie de apenas 4 capítulos, que o deixará encantado.

O encantamento chegará aos poucos, calmamente, após você sorver e absorver a delicadeza envolvente da história de uma jovem judia que, imersa nas tradições da comunidade hassídica de Williamsburg, no bairro Brooklyn, em Nova York, resolve dar uma reviravolta em sua vida, e fugir para Berlim.

Apesar da nossa dificuldade em imaginar o cotidiano de uma comunidade religiosa ortodoxa na cidade mais cosmopolita e multicultural do mundo, a minissérie consegue nos transportar com respeito e delicadeza às tradições e costumes da comunidade hassídica de Nova York, ora nos causando espanto ora nos encantando com seus rituais repletos de significados.

A chegada à capital cosmopolita e multicultural (Berlim) dá início ao processo de redescoberta pessoal da personagem central da trama. E, como todo processo de renascimento, envolve a coexistência de experiências dolorosas, aventuras, descobertas, desamparo e solidão.

E é onde o lirismo começa.

No decorrer dos episódios, moderno e arcaico se entrelaçam e se alternam a todo momento, talvez nos estimulando a pensar nas diferenças, na convivência respeitosa com os opostos, na compreensão profunda do outro.

A personagem principal é desempenhada pela jovem atriz israelense Shira Haas, em atuação absolutamente marcante. Penso que dificilmente deixará de ser indicada a prêmios internacionais em sua categoria profissional, pela perfeita composição de sua personagem Esther.

Esther nos aparece, inicialmente, como um ser diáfano, prestes a se desfazer em sua fragilidade, mas que vai crescendo em densidade e complexidade ao longo da trama. Parece ter sido composta em duos. Duos amalgamados e indissociáveis: simplicidade e complexidade, força e fragilidade, doçura e tenacidade, arcaísmo e modernidade, dogmas e transgressão, fé e razão, raízes e libertação, tudo junto e misturado. A totalidade carregada em si mesma, em sua existência dilacerada, mas pronta para emergir e explodir em emoção, pois a vida urge.

E ela tem urgência do depois.

Sua composição, carregada de delicadeza e emoção, culmina numa cena arrebatadora, de lirismo tocante: Esther entoa uma canção, que parece vir do fundo de sua alma, para ecoar nas paredes da sala onde ela e seus ouvintes se encontram, e se expandir para dentro das nossas paredes, reverberando em nossos corações, em nossas urgências.

A todos aqueles que têm urgência do depois.

* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada

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