Meio século ao lado do mestre na captura de imagens

Juntos em várias coberturas jornalísticas mundo afora, o autor relata algumas denuncias que fizeram na Amazônia. Para ele, Brito registrava o invisível que só ele via e descortinava para o mundo

Orlando Brito
Obras de construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará – Foto Reprodução Agência Nacional

Orlando Brito foi o repórter-fotográfico mais arguto com quem trabalhei durante toda a minha vida. Por anos, em O Globo, e diversos outros veículos de Comunicação. Juntos, nas mais diversas coberturas jornalísticas mundo afora, por mais de meio século. Fomos os primeiros repórteres a estar em 1974 no local onde seria construída a Hidrelétrica de Tucuruí, na Bacia do Tocantins, no Pará.

Também, juntos, fizemos a primeira matéria jornalística sobre o traçado da Transamazônica, a BR-230, com 4.260 km que percorremos em um jipe do Incra de Repartimento/PA a Benjamin Constant/AC.

Capaz de perceber rapidamente as coisas mais sutis, de espírito sagaz em suas observações, era um mestre na captura de imagens repletas de engenhosidade e beleza. Registrava o invisível que só ele via e descortinava para o mundo.

“Sousinha”, era assim que me chamava e eu sempre o chamei de Péricles, seu segundo nome.

Nessa nossa caminhada registramos em 1975 a exploração que ocorria na Amazônia por parte de comerciantes gananciosos na venda de derivados de petróleo. O que levou o governo Geisel a tabelar os preços na única região do país em que os preços eram livres.

Tratores trabalham na abertura da rodovia Transamazônica.

Denunciamos, também na Amazônia, um desmatamento visto até por satélite numa área para criação de pasto. E, ainda, o embargo feito pelos Estados Unidos ao Brasil na compra de nossa Castanha-do-Pará. Descobrimos que para forçar o preço no mercado internacional os produtores escondiam a safra no meio da floresta. Denunciamos e registramos a operação com fotografias magistrais do Brito. Mas, por trás desse profissional sério e competente se escondia, ainda, o menino brincalhão das ruas de Janaúba, sua terra natal, em Minas Gerais.

Aos 14 anos começou sua brilhante carreira como laboratorista no jornal “Última Hora” , passando a repórter fotográfico e editor de fotografia. Por 11 vezes recebeu o prêmio Abril de Fotografia.
Mesmo com tanto profissionalismo e seriedade em seu trabalho, jamais esqueceu seu lado brincalhão e bem-humorado.

Certa vez, numa viagem da Paraíba para Brasília eu estava ao lado de Brito quando vimos na fileira ao lado um senhor demonstrando ser a sua primeira viagem de avião. Assim que o avião levantou voo e foi recolhido o trem de pouso e fez aquele barulho tradicional do recolhimento, Brito disse para mim, mas de modo que o senhor ouvisse:

-Êta!, caiu uma mala.

O senhor logo quis saber como era a mala, e habilmente Brito conseguiu colher informações da mala do senhor e disse que era a dele mesmo que tinha caído. O homem ficou decepcionado e contou o que tinha na mala que levava de lembrança para o filho, nora e netos e lamentou que logo em sua primeira viagem de avião acontecia isso.

E Brito:

-E o senhor, ao desembarcar em São Paulo, não fale pra ninguém que sua mala caiu não porque se ela caiu e matou alguém o senhor ainda vai ser preso logo no desembarque. Na escala em Brasília, em pé para desembarcar, Brito disse pro velhinho que era tudo brincadeira e os dois caíram na gargalhada, apertaram as mãos e se despediram.

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