Uma coisa incomum aconteceu um tempo atras, quando li uma crônica em que Luís Fernando Verissimo argumentou que a palavra mais bonita da língua portuguesa é “sobrancelha”. Discordei.
Por que essa palavra, quando existem tantas candidatas mais sonoras e que evocam imagens mais agradáveis? Pense em “libélula”, cujas consoantes geram um som suave e ondulante, como o ronronar de um gato. Foneticamente falando, “libélula” tem semelhanças com a palavra inglesa “lullaby” (canção de ninar), cuja pronúncia também é mais cantada que falada.
“Libélula” evoca a imagem de uma criatura ágil e graciosa que não pica nem tem ferrão. Compare “libélula” com “jararaca”, cujas consoantes igualmente repetitivas, mas foneticamente mais duras, fazem pensar em um bicho peçonhento.
Na escolha de palavras belíssimas, as imagens que elas evocam são cruciais. As letras e os fonemas de “gazela” e “Godzilla” são semelhantes. Mas a primeira palavra traz à mente outro ser ágil, gracioso e dócil, e a segunda, um monstro.
Pensei em “libélula” porque Vie et Langage, revista francesa consagrada a assuntos de linguagem, organizou em 1952 um concurso entre seus leitores para escolherem as dez palavras mais bonitas da língua francesa, segundo ensaísta Paulo Ronai. E uma das dez era “libellule” (libélula em francês).
A palavra “borboleta”, quase tão bela quanto “libélula”, me lembra de uma anedota sobre uma competição entre um brasileiro, um inglês, um francês e um alemão para decidir qual é a língua mais bonita.
O brasileiro começa a disputa usando a palavra “borboleta”, e argumenta: “O som faz pensar no próprio movimento leve das asas da borboleta”. O inglês argumenta que, em sua língua, “butterfly” faz o mesmo, e ainda tem um som que faz lembrar um voo em espaço aberto. O francês entra na briga, e diz que prefere “papillon”, cujo som lembra a delicadeza transparente das asas da borboleta. E vem o alemão que pergunta: “O que há de errado com ‘schmetterling’ “?
Para mim, outras palavras em português, desde “sonata” até “sussurrar”, são mais sonoras ou evocam imagens mais agradáveis que “sobrancelha”. É o caso de “pantufas” ou “prelúdio”, cujas segunda sílabas as alongam suavemente, dando-lhes um som suntuoso. Ou “tesão”: a última sílaba, nasalmente alongada, transmite a intensidade do desejo que a palavra evoca.
Mas, voltando ao Veríssimo, discordar dele é um desafio porque ele geralmente raciocina muito bem. Veja sua escolha da palavra mais estranha da língua portuguesa: “esdrúxulo”. Existe candidata linguística mais esdrúxula?
Agora, vou parar. Se eu continuar, o leitor vai achar que estou enrolando, quer dizer… usando uma clássica fanfarra literária brasileira, uma crônica cujo assunto é a falta de assunto.
— Michael Kepp, jornalista americano radicado no Brasil, é autor de três coletâneas de crônicas. A terceira, publicada em 2015 se chama “Um pé em cada país,” Tomo Editorial
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