Família? Qual família?!

Diego Armando Maradona, o genial e controverso jogador de futebol argentino, deixou muitos fãs órfãos nos gramados e fora deles. Como a autora desta crônica pungente

Diego Armando Maradona - Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas

Gênios são filhos da humanidade: por acaso nascem (porque também são biologicamente como os outros seres humanos) de um pai e de uma mãe. (Por enquanto. Daqui a pouco, os homens também poderão conceber e, como não têm vagina, ou vão “construir” uma – aqueles que se orientam sexualmente como mulheres – ou até que isso possa acontecer (e será), farão cesariana, como faziam e fazem tantas mães, há muito tempo desde que médicos substituíram as antigas parteiras).

Emoção em frente à Casa Rosada, Buenos Aires, Argentina, durante o velório do maior craque argentino de futebol de todos os tempos
Lágrimas com a perda do campeão argentino, Diego Armando Maradona

Porque pertencem a todos, contrariando as leis da propriedade privada, esta sim, responsável pela criação da figura jurídica e hipócrita da “família”, os gênios não deveriam ter o seu momento post mortem – quando todos nós sofremos sua falta e sentimos essa dor indizível de sua perda -, este momento terrível do enterro ou da cremação, ser determinado ou decidido pelos que socialmente são tidos naquele momento, perante o Estado e as suas infalíveis “autoridades competentes”, por seus “familiares”…

Revolta pessoas como eu, que um Maradona seja arrebatado da multidão que o venera e que por ele arrisca sua própria morte, pisoteado ou contaminado pela covid-19, para que seus “familiares” possam restritamente dele se despedir. A polícia, as forças armadas, todo mundo que porta uma arma em nome do Estado separa o ídolo de seu povo e se sente destinado por alguma decisão divina a preservar os despojos do(a) que se foi… corpo inerte, sombra de quem ele(a) foi em vida mais que nunca desejado, imperiosamente tocado, beijado, amado de qualquer forma que se possa expressar por gente enlouquecida, trepada em postes, agitando braços e bandeiras ou camisas com as cores, o número, seja lá o que for que lembre o gênio que se foi… Gente que, silenciosamente ou em prantos, aos gritos – não importa como! -, gente que apenas quer dizer à lembrança daquele que se foi que ele representou todos os sonhos, todos os anseios, toda a paixão, todas as emoções de cada um de nós.

O corpo de Diego Armando Maradona é levado no carro fúnebre, aplaudido pela multidão

No momento mesmo em que perplexa eu assistia pela TV essa cena bárbara do caixão sendo levado a toda velocidade pelas avenidas largas de Buenos Aires, pelas carreteras que conduzem carros enlouquecidos por homens enlouquecidos que dirigem a toda velocidade para poderem esquecer o que sofrem: cada um faz como pode, com cola cheirada na rua, com cocaína cheirada nos salões ou nos quartos de hotel, em meio a garrafas com álcool ou ingerindo anfetamina, xarope contendo ópio, tragadas profundas de maconha, de haxixe, de tudo quanto possa entorpecer a dor de estarmos vivos nessa merda de mundo…

Família? Qual família?

A nação argentina e o mundo choram a morte do ídolo Maradona

Nem vinte e quatro horas depois, como afiancei a amigos perplexos com minha falta de sensibilidade, com meu desrespeito à sacrossanta família (amparo, proteção e danação de todos nós). Bem que Philip Larskin já havia escrito: “Seja assim o poema: Fodem-te a vida, o papá e a mama, / mesmo que não seja essa a intenção. / Deixam-te todos os vícios que tenham, / E mais dois ou três por especial atenção. Mas no tempo deles também foram fodidos / por todos trajando jaquetão e coco, / Que quando não estavam piegas ou hirtos / Saltavam, raivosos, à veia, ao pescoço. E assim é legada a infelicidade, / Vai mais e mais fundo, como o fundo do mar. / Foge mal tenhas oportunidade / E quanto a teres filhos – isso nem pensar.” Mas eu falei: nem 24 horas se passarão e nós todos veremos a família – só não podia saber quantos ou quais – haveria de tornar-se inimigos em guerra, cada um fazendo o possível e o impossível para ter o quinhão da fortuna do morto que se foi entre suas lágrimas ou mesmo sem lágrima alguma.

Dito e feito.

Maradona e parte de sua grande família

Já são 11 os filhos que se habilitaram a receber a herança do falecido Diego Armando Maradona.

Que Deus o tenha.

E não se sabe quantas mulheres, inclusive aquela por quem ele chamou na derradeira hora e que lá não foi socorrê-lo, mas que correu a se exibir na Casa Rosada, na Argentina, tão logo ali se fez a exposição do ataúde do genial jogador de futebol. Barrada por Cláudia, a ex-mulher, que, à semelhança de outras que se tornam indisponíveis pelos maridos ou ex-maridos, porque elas, subitamente, se mostram espertíssimas experts em gerenciar os bens que esses estroinas vão dilapidando vida afora, ao embalo de suas noitadas e de suas muitas vidas dilapidadas.

Paz a Diego Armando Maradona.

Sucesso aos herdeiros, e que todos, absolutamente todos que ele amou e trouxe ao mundo, mulheres – muitas -, filhos – aos punhados -, que todos tenham seu farto quinhão e que assim de Maradona se lembrem pelos séculos dos séculos.

Amém!

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