Essa semana o Brasil deve chegar a triste marca de mais de 100 mil mortes por covid-19. É como se toda população da cidade de Mairiporã, no interior de São Paulo, tivesse sido dizimada em poucos meses. De acordo com o IBGE, dos 5.570 municípios brasileiros, apenas 324 possuem mais de 100 mil habitantes – incluindo as grandes metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador. É uma tragédia sem precedentes. Enquanto isso, o que fazem os governos (federal, estaduais e municipais)? Reabrem comércios, restaurantes, pontos turísticos e escolas.
O que norteou as decisões para reabrir o comércio foi a pressão dos empresários, sufocados com as contas. A testagem em massa, que deveria ser o fator de orientação aos governantes nessa hora, está sendo totalmente ignorada.
Os especialistas garantem que somente por meio da testagem em massa o país poderá controlar a pandemia, que cada dia fica mais descontrolada com pessoas se aglomerando nas ruas, nas filas de bancos em busca do auxílio emergencial, nos bares, nas praias, nos transportes públicos e nos hospitais.
Por falta de testes há estudos indicando que o número de infectados nos Brasil pode ser de oito a dez vezes maior do que a quantidade de diagnósticos divulgados oficialmente pelo Ministério da Saúde.
Os estudos foram feitos por uma equipe de pesquisadores do programa de pós-graduação em modelagem computacional da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e do Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica) de Minas Gerais, e divulgados pela imprensa no início de junho. Se estiverem certos, o Brasil já tem quase 30 milhões de infectados.
Se o país tivesse feito o dever de casa, talvez os números de infectados e mortos pelo coronavírus não fossem tão elevados. Apesar de a doença ter sido registrada no Brasil em fevereiro, portanto, depois da tragédia na Europa, sobretudo na Espanha e na Itália, não houve planejamento para enfrentar a pandemia.
Sem a coordenação do governo federal, governadores e prefeitos agiram e continuam agindo de forma isolada. O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, até tentou, mas foi fortemente boicotado pelo próprio chefe. Nem preciso lembrar aqui tudo que foi dito e feito ao longo do período em que Mandetta esteve à frente da pasta.
Sem um planejamento central, as ações locais se tornaram insuficientes para enfrentar a doença. Aliada a isso, existe a ganância de alguns em se aproveitar do momento para desviar recursos da saúde. Receita perfeita para o caos.
O resultado é que a situação do Brasil hoje é única no mundo. Ao contrário do que ocorreu na maioria dos países, onde a doença atingiu um pico e depois entrou em curva descendente, aqui não. Os casos seguem em alta há semanas e a tal da curva descendente nada de aparecer.
O mais preocupante é que não há uma luz em curto prazo. A esperança, especialmente para aqueles que fazem parte do chamado grupo de risco, é a vacina. Mas até que os testes acabem e todos tenham acesso a ela ainda existe um longo caminho a ser percorrido.
Bolsonaro, mais preocupado com a reeleição, só pensa em criar um “bolsa família” pra chamar de seu e assim ganhar o apoio do eleitorado, até pouco tempo fiel à Lula. Com relação à doença, mesmo depois de infectado, continua a defender o uso da cloroquina como solução mágica para a covid e mantém a frente do Ministério da Saúde um interino há quase três meses. Em sua habitual live às quintas-feiras em redes sociais, Bolsonaro fez um registro desse momento. “A gente lamenta todas as mortes, está chegando a 100 mil, vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar desse problema”. E seguiu com as sandices de sempre como se água de coco substituisse o sangue nas veias.
No final de abril, quando o Brasil passou dos cinco mil mortos pela covid-19, escrevi aqui n’Os Divergentes, que aqueles cadáveres pertenciam à Bolsonaro. Mantenho minha opinião, apenas amplio a lista de responsáveis pelos mortos incluindo governadores e prefeitos.
Vendo que o comportamento indiferente do presidente da República em relação às vítimas não lhe trouxe perdas significativas junto à população, os governantes estaduais e municipais começaram a se desvencilhar das responsabilidades e defender não apenas a reabertura indiscriminada dos estabelecimentos comerciais, mas até tratamentos bizarros para a covid.
Foi o caso do prefeito de Itajaí-SC, Volnei Morastone, que essa semana virou notícia nacional ao anunciar o uso de ozônio via retal para curar a covid. O mais grave é que os defensores do tratamento alternativo foram recebidos no Ministério da Saúde, assim como uma eleitora de Bolsonaro que disse ter recebido de Deus a revelação de que o alho seria a cura para a doença.
Do jeito que a coisa vai, meu medo é que Bolsonaro convide o prefeito de Itajaí para ministro da Saúde. Assim ele aplicará na prática o que os governantes brasileiros vêm fazendo há anos com o povo brasileiro…