Caso da Boate Kiss revela falência das instituições no Brasil

Passados nove anos, só agora responsáveis serão julgados, mas nem todos. Não é um caso isolado, é o retrato da morosidade da Justiça que só condena pobres e negros

Escombros do incêndio da Boate Kiss - Foto Polícia Civil do RGS

A partir do próximo dia primeiro, se os advogados dos acusados não entrarem com mais um recurso protelatório, os responsáveis pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, finalmente irão a julgamento. São nove anos de espera. O incêndio na boate provocou a morte de 242 jovens, alguns com menos 20 anos, e mais de 600 feridos. Infelizmente a demora na punição dos culpados é regra no Brasil. Mais que isso, releva a falta de compromisso das nossas autoridades com a população e evidencia de forma cristalina o total desmantelamento das nossas instituições.

O incidente na Boate Kiss ocorreu por uma série de falhas, que começam pelo não cumprimento por parte das instituições públicas do seu papel fiscalizatório. Bombeiros, prefeitura e defesa civil negligenciaram suas funções ao não cobrar dos donos do local a instalação das medidas de segurança que poderiam ter evitado a tragédia.  Depois das mortes de 242 jovens, ao invés das autoridades se desculparem pelo descaso e buscarem corrigir os erros, o que vimos foi um jogo de empurra para não assumir o ônus da culpa pelo descaso.

Por sua vez, os proprietários da casa de show se preocuparam apenas com o retorno financeiro, sem observarem o cumprimento dos protocolos de segurança se aproveitando da omissão das autoridades que nunca cobraram ou sequer fiscalizaram o estabelecimento.

Servidores públicos, que deveriam zelar pelo cumprimento das regras, se omitem. Seja por falta de compromisso com o trabalho ou pelo excesso de interferência política nos cargos de comando, um mal que assola nosso país e afeta de forma direta a atuação dos órgãos públicos no desempenho das suas funções. Muitas vezes pessoas despreparadas são indicadas para ocupar cargos importantes. E isso não é uma prerrogativa do atual governo. Está certo que com Bolsonaro a incompetência foi elevada à potência máxima. Mas temos que reconhecer que essa prática é comum há séculos.

Além das falhas na fiscalização, a morosidade da Justiça ajuda a manter situação de impunidade no Brasil. Infelizmente, a demora no julgamento dos responsáveis pela tragédia na Boate Kiss não é um fato isolado. Existem outros casos tão graves quanto que continuam impunes. Mariana, em Minas Gerais, é um exemplo.

Há seis anos a barragem da Samarco, cujas donas são a Vale e BHP Billiton, rompeu-se provocando a morte de 19 pessoas e um estrago ambiental imensurável. Até agora ninguém foi punido e não há previsão de quando serão. Sequer os reassentamentos das famílias afetadas pelo acidente foram concluídos, o  prazo inicial para a entrega era março de 2019.

O desastre ecológico de Brumadinho

Brumadinho, também da Vale, é outra tragédia que vai se esticando sem que os culpados sejam punidos. Já são mais de dois anos, 270 mortos e 11 desaparecidos. A responsabilização dos culpados tá cada dia mais difícil. No mês passado, o STJ decidiu que foram cometidos crimes contra a União e, portanto, o caso deve ser julgado pela Justiça Federal. Assim, o processo que estava avançado na justiça de Minas Gerais terá que recomeçar do zero, aumentando ainda mais a angústia das famílias das vítimas.

E assim o Brasil segue sendo o país da impunidade, onde apenas pobres e negros vão para a prisão. Enquanto quem tem dinheiro e consegue pagar um bom advogado se livra das grades com infindáveis recursos.

Talvez o grande mérito da Lava Jato tenha sido a agilidade com que os culpados pelos desvios de recursos públicos foram punidos. Ricos e poderosos foram parar na cadeia, coisa nunca vista antes no Brasil. Provavelmente esse foi o motivo da operação ter sido desmantelada.

Sob as bênçãos de Bolsonaro, que se elegeu prometendo fortalecer o combate à corrupção, Executivo, Legislativo, Judiciário e OAB se uniram para destruir não apenas a operação, mas  seu legado e os seus principais representantes. Inconformados por terem sido descobertos em seus maus feitos, muitos políticos bradam contra o trabalho da força-tarefa. Querem passara à população a ideia de que foram perseguidos e injustiçados. Pior, muitos incautos acreditam nessa balela.

E assim o Brasil vai trilhando cada dia mais o caminho da impunidade. Lamentável!

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