Breve história do STF

Estamos na oitava Constituição, seis abatidas por golpes de Estado. Para não ser acusado de falhar à República., o Supremo deve aplicá-la quando provocado e defendê-la quando exigido. É o que a Nação espera de seus magistrados.

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem raízes profundas na Casa da Suplicação do Brasil criada D. João VI, após a chegada da Casa Real portuguesa em 1808. Proclamada a Independência, a Constituição Imperial de 1824, outorgada por D. Pedro I, instituiu o Supremo Tribunal de Justiça, “composto de Juízes letrados, tirados das relações por suas antiguidades, e serão condecorados com o título de Conselheiros” (Art. 163). Relações era o nome dado a tribunais existentes nas províncias, destinados ao julgamento em segunda e última instância “para a comodidade dos povos” (Art. 158).

Antiga sede do STF, o Solar do Conde da Barca, na Rua do Passeio no Rio, de 1892-1902
A Suprema Corte hoje – Foto Orlando Brito

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada em 1891, criou o Supremo Tribunal Federal (Art. 55). Na Constituição de 1934 a denominação passou a ser Corte Suprema (Art. 73ª). O nome Supremo Tribunal Federal foi restabelecido pela Carta Constitucional de 1937, sendo preservada nas constituições de 1946, 1967, 1969 e 1988.

Na frase ácida e definitiva de João Mangabeira, encontrada no livro Rui o Estadista da República, “O órgão que, desde 92 até 937, mais falhou à República não foi o Congresso; foi o Supremo Tribunal (….) O órgão que a Constituição criara para seu guarda supremo, e destinado a conter, ao mesmo tempo, os excessos do Congresso e as violências do Governo, a deixava desamparada …” (Ed. Livraria Martins, SP, 3ª ed., págs. 69/70).

Ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes – Foto Orlando Brito

A vaga aberta com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, anunciada para o final do mês, não é de fácil preenchimento, diante das qualidades intelectuais e morais do ilustre magistrado. Concede, porém, ao presidente Jair Bolsonaro o direito de lhe indicar o sucessor.  Quais os requisitos impostos pela Constituição para a indicação de magistrado dos tribunais superiores e do Supremo? São quatro. Dois de natureza objetiva: ser cidadão, ter mais de 35 e menos de 60 anos de idade. E dois de caráter subjetivo: notável saber jurídico e reputação ilibada. Os primeiros se provam com mera exibição de documentos, os segundos dependem da interpretação do presidente da República. A Lei Fundamental não exige amizade com o chefe do Poder Executivo ou crença religiosa.

Os ministros do Supremo durante o regime militar de 1964

Apesar das palavras duras de João Mangabeira, o Supremo Tribunal Federal tem sido o último baluarte na defesa do regime democrático. Vem à lembrança a manifestação do ministro Álvaro Ribeiro da Costa, presidente no biênio 1964-1965, diante de impertinente e autoritária proposta de emenda constitucional enviada pelo presidente Castelo Branco. Reagindo ao ato presidencial, declarou Ribeiro da Costa: “Já é tempo de que os militares se compenetrem de que nos regimes democráticos não lhes cabe o papel de mentores da nação, como há pouco o fizeram, com estarrecedora quebra de sagrados deveres, os sargentos, instigados pelos Jangos e Brizolas. A atividade civil pertence aos civis, a militar a estes que, sob sagrado compromisso, juraram fidelidade à disciplina, às leis e à Constituição.”

Em 192 anos de vida o STF conheceu ministros das mais diversas personalidades.

Ministro Pisa e Almeida, natural de Capivari-SP

É de justiça relembrar alguns nomes. Começo por Pisa e Almeida (19/11/1842-22/4/1908), natural de Capivari, “cujo nome se imortalizou, como símbolo de resistência e honra, em meio à dobrez e à covardia”, como escreveu João Mangabeira e do também capivariano e emérito processualista Moacyr do Amaral Santos (25/7/1902-16/10/1983). Alguns sobressaem na memória do STF pela cultura ou como símbolos de oposição ao totalitarismo. Além de Piza e Almeida destaco os nomes de Amaro Cavalcanti, de Carlos Maximiliano, de Epitácio Pessoa, Hermes Lima, Evandro Lins e Silva, Vítor Nunes Leal, Ribeiro da Costa, Lafayette de Andrade, Gonçalves de Oliveira e de Moreira Alves.

Desembargador Kassio Nunes Marques – Foto TRF-1

O Desembargador Kassio Marques, integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região é desconhecido além das esferas do seu tribunal. Sabe-se que é do Piauí e foi promovido a desembargador pela presidente Dilma Roussef. Ao indicá-lo, o presidente Jair Bolsonaro destacou ser seu amigo, com quem tomou tubaína e espera tomar cerveja nos fins de semana. Parece-me insuficiente para justificar a indicação para o Supremo Tribunal Federal, composto por 11 ministros, onde o desempenho não se dilui, como em geral acontece nos Tribunais integrados por elevado número de magistrados.

A pauta do STF é carregada de processos que examinam matérias de alta indagação jurídica e política. A transmissão em tempo real das sessões de interesse nacional expõe à opinião pública o desempenho de cada ministro. Revela se é dotado de ilibada reputação e notável saber jurídico ou se não passa de trapezista, guindado à alta Corte pelas boas graças de um presidente da República e pela proverbial leniência do Senado.

Compete à Corte Suprema “precipuamente a guarda da Constituição” (artigo 102). Estamos na oitava, seis abatidas por golpes de Estado. Para não ser acusado de falhar à República o Supremo deve aplicá-la quando provocado e defendê-la quando exigido. É o que a Nação espera de seus magistrados.

— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

 

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