Março de 2007 o senador Fernando Collor atravessa a entrada do Palácio do Planalto rumo ao gabinete presidencial, no 3º andar, para uma audiência com o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acabara de ser reeleito para mais 4 anos de mandato. Jornalistas, servidores e curiosos se acotovelavam para ver o ex-presidente retornar ao local de onde havia sido enxotado 15 anos antes, acusado de corrupção.
Ao entrar no gabinete presidencial, Collor foi recebido por Lula com um caloroso abraço. Chamado de “amigo” por aquele que um dia teria sido o seu principal adversário político, o alagoano, a partir dali, passou a integrar a base de apoio do petista no Congresso.
A relação não podia ser melhor. Collor votava a favor de todos os projetos enviados pelo Executivo e, em troca, indicava nomes para ocupar cargos no governo. Os dois também foram vistos algumas vezes juntos em palanques eleitorais em Alagoas, onde um pedia voto para o outro.
Quem acompanhou de perto a tensa campanha eleitoral de 1989 para a presidência da República – a primeira após mais de 20 anos de ditadura – sabia que havia mais que divergência política. Collor chegou ao extremo de expor uma filha menor de Lula em um dos seus programas eleitorais da TV, que na época tinha muito mais impacto que hoje. Depois, o PT comandou as ruas no impeachment.
Essa história serve para ilustrar bem como funciona a política no Brasil e mostrar aos devotos dos mais variados matizes que brigar por causa de político é o maior atestado de idiotice que alguém pode assinar contra si mesmo. Enquanto famílias se dividem, os políticos, que na frente das câmeras se digladiam, nos bastidores se abraçam e negociam favores mútuos para defender os próprios interesses.
Só quem não conhece as entrelinhas da política acredita que os líderes do bolsonarismo e do petismo têm interesses antagônicos. E os sinais nem são tão difíceis assim de entender. O apoio do PT à candidatura de Rodrigo Pacheco à presidência do Senado mostra que o “fora Bolsonaro” não passa de retórica, ou até mesmo um vício dos petistas de gritar “fora” para qualquer presidente não seja filiado ao partido.
O PT sabe que a Câmara apenas autoriza a abertura do processo de impeachment, mas todo rito é conduzido pelo Senado que, inclusive, pode arquivar o pedido se entender que não há um motivo para cassar o presidente da República. Ao apoiar o candidato bolsonarista à presidência do Senado, os senadores do PT têm consciência de que o processo de impeachment, ao qual dizem defender, não vai sair do papel.
Tampouco o apoio ao candidato de Rodrigo Maia à presidência da Câmara, Baleia Rossi, terá apoio incondicional da bancada petista na eleição da Câmara. O PT só não se jogou nos braços de Arthur Lira, candidato do Planalto, porque pegou muito mal perante à opinião pública. Como o voto é secreto, a traição pode prevalecer.
No fundo, petistas e bolsonaristas possuem muitos interesses em comum. O principal deles é destruir a Lava Jato e seu legado no combate à corrupção. Ao nomear Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, se aliar a Dias Toffoli e Gilmar Mendes e, por último, indicar Kássio Marques para o STF, Bolsonaro provou que está ao lado do PT nessa cruzada.
Aliás, ele ajudou muito mais ao ex-presidente Lula do que a própria Dilma Rousseff quando estava no poder. O ex-juiz Sérgio Moro é o principal inimigo a ser abatido pelos dois lados. Não só por encarnar o lavajatismo na mais pura concepção, mas por ter densidade eleitoral capaz de ameaçar uma possível revanche entre Bolsonaro e o PT em 2022.
Esse é outro ponto em comum entre os dois lados. Qualquer candidato que apresente a mínima viabilidade eleitoral vira alvo das torcidas. Por enquanto os mais atingidos são o governador João Dória, Moro e o apresentador Luciano Huck, que nem sequer decidiu se entrará na disputa eleitoral. Ciro Gomes até leva umas pancadas de vez em quando, mas no fundo ninguém acredita na viabilidade do seu nome.
O fato é que o grande sonho de Lula e Bolsonaro é disputar voto a voto o poder no Brasil. Para os petistas, a incompetente gestão bolsonarista comparada aos bons números do governo Lula devolverá os dias de glória ao partido.
Por outro lado, Bolsonaro acredita que com a bic na mão e a rejeição ao PT, vencerá facilmente a reeleição. Não aprendeu nada com a derrota do ídolo Donald Trump nos Estados Unidos.
Manter essa polarização é bom negócio para os dois lados. E péssimo para nós brasileiros.