A Taça do Mundo é nossa! Com a cloroquina, não há quem possa!

Sob os auspícios dos defensores da cloroquina, Brasília prepara-se para um festa memorável, com farta distribuição do famoso fármaco. Como em outros momentos históricos, o povo há de se reunir para glorificar a cloroquina nossa de cada dia. Sem máscaras e sem distanciamento social, como convém

Profundamente traumatizados com a derrota de 7×1 para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014, os brasileiros agora já têm motivos de sobra para finalmente recuperar sua autoestima perdida. A cloroquina é nossa! Com ela, mostraremos ao mundo nossa potência como nação. Adeus, complexo de vira-latas!

Isso mesmo! Convocação geral para manifestação coletiva em Brasília, na Praça dos Três Poderes, em data próxima, a ser oportunamente divulgada, onde será construído palanque especialmente para a apresentação da Taça “Julho Ruiné “ ao grande público.

O evento foi planejado para acontecer em alto estilo: queima de fogos, esquadrilha da fumaça, brincadeiras, banda de música e desfile da taça no Cloromóvel, projetado especialmente para tal fim, inspirado no sucesso do Papamóvel. A Taça “Julho Ruiné” fará um percurso triunfal pelo Eixo Monumental dentro do Cloromóvel, para alegria dos moradores das superquadras de Brasília, que se aglomerarão ao longo da grande avenida para saudar o tão esperado prêmio.

Bonecos Cloroquinhos gigantescos serão espalhados por todo o local, ao longo do gramado, distribuindo miniaturas fofas do famoso fármaco para as crianças presentes ao grande evento.

Grandes e ornamentais bacias serão colocadas em torno do Panteão da Liberdade, para descarte simbólico de frascos de álcool gel e máscaras pelos transeuntes. À frente de cada bacia, paladinos da liberdade, notadamente figurões do meio jurídico e detentores de diplomas universitários, orientarão e fiscalizarão, com educação primorosa, os procedimentos para o descarte.

Para a ala jovem, várias mesas bistrô serão instaladas ao redor da Praça, onde os seguidores dos “inocentes do Leblon” poderão se confraternizar, entre abraços e conversas ao sabor de uma boa cervejinha.

Finalmente a taça chegará, altaneira e, ao final da solenidade oficial, com os discursos de praxe, ela será erguida pela autoridade maior do país, com as duas mãos, repetindo o gesto eternizado por Cafu na Copa do Mundo de 2002. Em vez de chuva de papel picado, chuva de comprimidos branquinhos cairão por cima do palanque, para deleite dos manifestantes, que se jogarão no chão à procura de um exemplar para guardar para a posteridade.

Neste momento, a bandinha de música tocará o próximo sucesso da temporada do Carnaval de 2021, revisitando um clássico antigo, que deu origem ao título desta crônica.

Na sequência, a taça passará de mão em mão pelo palanque, recebendo o beijo simbólico de cada uma das autoridades presentes. Ato contínuo, a taça descerá ao gramado, para o desespero da multidão, que se acotovelará para tocar o precioso prêmio.

Repórteres e fotógrafos se misturarão aos manifestantes, na tentativa de obtenção do melhor “clique” do dia ou da melhor entrevista.

Num furo de reportagem, um dos profissionais conseguirá se aproximar de um dos idealizadores do evento. Posso até antecipar o teor do diálogo que será travado:

– Como o Sr. está vendo esse sucesso estrondoso da cloroquina? – pergunta o ávido repórter.

– Olha, foi um trabalho maravilhoso de equipe eeeeee, com a graça de Deus eeee, deu certo eeeeee, nós vamos em frente eeeee, é isso aí!

Em outro sensacional furo profissional, novo repórter entrevistará um dos primeiros felizardos a tocar a taça:

– Qual foi a emoção de tocar a taça pela primeira vez ? Não ficou com medo de tocá-la, depois de passar por tantas mãos e tantos beijos? – indaga o profissional.

– Olha, foi uma emoção incrível eeeee, com a graça de Deus, eu toquei na taça eeeeee, sem medo nenhum eeee, porque a cloroquina taí eeeee, é isso aí.

O ato chegará à apoteose com a aparição da esquadrilha da fumaça e com os 80 tiros de canhão, em homenagem aos números de julho, relativos à pandemia.

Será imperdível.

Fiquem, portanto, atentos aos cartazes que serão espalhados nos próximos dias pela sua cidade, em todo o país, com os seguintes dizeres:

“Compareçam em massa ao grande evento da Taça “Julho Ruiné”. Não deixem para se contaminar amanhã se podem fazê-lo hoje mesmo. Com a cloroquina, agora, não há quem possa!

P. S. Os patrocinadores do evento preferiram não se identificar. Fiéis ao estilo “ low profile”, apreciarão de longe o desenrolar dos festejos. Sensíveis e solidários, eles certamente aparecerão quando alguns dos manifestantes estiverem aos prantos, em salas de espera de hospitais.

* Eliane de C. Costa Ribeiro é juíza do Trabalho aposentada

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