É quase inconcebível que se passaram 40 anos.
Em 5 de junho de 1981, o Relatório Semanal de Morbidade e Mortalidade (MMWR) do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) publicou um resumo de cinco “homossexuais ativos” que haviam sido tratados para um tipo raro de pneumonia na cidade de Los Angeles (Califórnia)– o primeiro relatório do que viria a ser conhecido como AIDS.
O mundo perdeu tantas vidas — mais de 30 milhões de pessoas em todo o planeta — nos últimos 40 anos. Covid-19 fez seu trabalho mais rápido – infectando pelo menos 172 milhões de pessoas e matando 3,7 milhões delas em menos de 18 meses.
Mas aqueles que estiveram por aí nos primeiros dias da AIDS dizem que os paralelos são inconfundíveis: uma pneumonia mortal, um vírus que parecia atingir certas comunidades embora nenhuma estivesse imune, pessoas infectando sem saber seus entes queridos, amigos, vizinhos e estranhos.
Centenas de médicos e pesquisadores cujas carreiras foram definidas pela AIDS estão agora tratando pacientes com Covid-19. As diferenças entre as doenças também são marcantes.
Embora o Covid-19 tenha sido identificado e levado à atenção do público em semanas, o primeiro relato de AIDS provavelmente ficou anos atrás dos casos sintomáticos, e os testes de diagnóstico levaram cinco anos para se desenvolver.
O vírus da imunodeficiência humana que causa a AIDS não foi identificado até 1983, dois anos depois daquele primeiro registro oficial; os pesquisadores divulgaram o código genético detalhado do vírus SARS-CoV-2 em janeiro de 2020, menos de um mês depois de chamar a atenção globalmente. Com esse código em mãos, os cientistas começaram imediatamente a desenvolver vacinas Covid-19 altamente eficazes e eficientes, um triunfo que ainda escapa aos pesquisadores do HIV.
“Há realmente uma diferença extraordinária no ritmo de reação a essas pandemias”, disse o Dr. Bruce Walker, médico-cientista de Harvard que passou décadas tratando pacientes HIV-positivos e trabalhando para entender melhor a doença.
A desesperança e o desespero do HIV/AIDS atingiram profunda e duramente, primeiro entre os homens gays e, depois, nas comunidades mais pobres do mundo, incluindo os Estados Unidos.
As desvantagens raciais e socioeconômicas tornaram-se rapidamente evidentes, com comunidades de baixa renda de cor desproporcionalmente afetadas com o Covid-19. Mas também se espalhou rapidamente, atingindo quase todas as comunidades em todos os sete continentes.
A comunidade científica está vendo a história se repetir
“Vimos muitos dos mesmos problemas se desenrolarem continuamente”, frisou Dr. Walker. Ele descreveu uma “relutância em aceitar que algo novo e importante surgiu e poderia ficar muito pior.”
Embora ambas as pandemias estejam longe de terminar globalmente, nos Estados Unidos, as autoridades falam em acabar com o HIV/AIDS dentro de uma década com medicamentos e medidas de prevenção. As vacinas e os esforços de saúde pública reduziram as infecções por Covid-19 em mais de 90% desde o pico de janeiro.
“Para aqueles que são céticos em relação à ciência e já ouvimos muito sobre isso no Covid”, enfatizou Dr. Walker, “podemos olhar para o HIV como evidência de que a ciência funciona.”
A maior conquista da ciência do HIV foram os medicamentos que transformaram o vírus de uma sentença de morte em uma doença crônica e controlável.
O primeiro, azidotimidina ou AZT, um medicamento contra o câncer reaproveitado aprovado em 1987, foi apenas ligeiramente útil. Os efeitos colaterais do AZT e de outras drogas precoces foram considerados piores do que a doença, como estar em quimioterapia todos os dias pelo resto da vida.
No Brasil, em 2019, foram diagnosticados 41.919 novos casos de HIV e 37.308 casos de Aids. A maior concentração de casos de Aids no país está entre os jovens, de 25 a 39 anos, com 492,8 mil registros. Dos números registrados nessa faixa etária, 52,4% são pessoas do sexo masculino e 48,4% do sexo feminino. Já a taxa de mortalidade teve queda de 17,1% entre 2015 e 2019.
Agora, como comemoramos este triste aniversário no meio de outra pandemia letal, é um momento para lembrar as muitas pessoas que perdemos, e a história que não deve ser esquecida.
É impossível capturar toda a história
Em 1985 parecia que quase todos que nós conhecíamos estavam mortos, falecendo ou cuidando de alguém que estava perecendo.
A comunidade gay nos Estados Unidos liderou o movimento no mundo inteiro. Marcharam, pressionaram, fizeram lobby, costuraram colchas, arrecadaram fundos, foram presos, confrontaram políticos, transformaram pesquisas médicas, cuidaram dos doentes e confortaram os moribundos.
Fizeram tudo o que puderam para combater a doença e defender as comunidades que estavam sob ataque. Foi um tempo de terrível perda, terror e miséria e ainda – de alguma forma – os gays americanos se levantaram para enfrentar o desafio e liderar o movimento em nível mundial.
É sobre isso que estamos refletindo hoje, quando comemoramos o 40º aniversário dos primeiros casos documentados de AIDS. Espero que você também tenha tempo para pensar sobre tudo que o mundo perdeu– e o que mais precisa ser feito para combater o HIV e o Covid-19 nos dias de hoje.