Alvaro Dias: Bolsonaro deu a Moro a responsabilidade, mas não o poder

Em entrevista a Os Divergentes, o senador e ex-presidenciável diz que o único projeto do governo é a reforma da Previdência e prevê que a CPI da Lava Toga não será instalada no Senado

Candidato a presidente da República em 2018 pelo Podemos, o senador Avaro Dias repetiu exaustivamente durante a campanha que, se eleito, convidaria o então juiz federal Sérgio Moro para ser o ministro da Justiça em seu governo. Eleito, Jair Bolsonaro fez o que Dias prometeu e levou Moro para comandar a pasta da Justiça e Segurança Pública. Mas para Dias entregaram a Moro apenas a responsabilidade do cargo e não o poder para exercê-lo. E isso vem abrindo espaço para o que chamou de “contradições”.

Em entrevista exclusiva a Os Divergentes, Dias fala ainda sobre a queda da popularidade do presidente da República com tão pouco tempo de mandato e diz que o projeto do governo é apenas a reforma da previdência e que isso não é suficiente para resolver os problemas do país.

Com mais de 50 anos de vida pública, Alvaro Dias tem experiência política suficiente para conhecer as manobras feitas para barrar alguma proposta que não interessam à maioria do Senado. Por isso, ele já perdeu a esperança de que a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Lava Toga, destinada a investigar os tribunais superiores, saia do papel. A seguir a íntegra da entrevista:

 

Os Divergentes – O pacote anticrime do ministro Moro é suficiente para acabar com o crime organizado e com a corrupção ou o Congresso tem muito a alterar?

Senador Álvaro Dia

Senador Alvaro Dias – Nós nunca devemos gerar falsas expectativas quando aprovamos uma proposta de lei no Congresso Nacional porque dependemos da execução da lei. Cabe ao Judiciário e ao Executivo as providências para o cumprimento da lei. No entanto, na esteira da Operação Lava Jato, com a experiência que ela oferece, é dever o aprimoramento da legislação criminal sim. Então, o pacote anticrime, antiviolência e anticorrupção é uma prioridade do Legislativo. Não só a proposta do ministro Moro, mas também as propostas que tramitam aqui no Congresso devem ser consideradas. Como disse o próprio ministro Moro, não importa a autoria, não importa a cor do gato, importa que ele pegue o rato. Essa é uma expressão do ministro Moro que desenha bem essa realidade. Não importa o autor do projeto, importa o seu objetivo, o seu conteúdo e os resultados que dele decorrerão.

Os Divergentes – O presidente da Senado, Davi Alcolumbre, não aceitou a instalação da CPI da Lava Toga. Houve um recurso para a CCJ. Acredita que ela será instalada?

Senador Alvaro Dias – Não creio que ela saia. Isso já está desenhado. Essa estratégia adotada para esvaziar o tema e depois rejeitar em plenário com o parecer na Comissão de Justiça e deliberação do plenário a CPI não prospera.

Os Divergentes– O Sr foi um dos 29 que assinou o requerimento da CPI. Acha que é necessário fazer uma limpeza nos tribunais superiores?

Senador Alvaro Dias – Creio que ninguém deve estar acima do interesse público. O interesse público hoje é da limpeza geral, é de uma assepsia em todo organismo da atividade pública brasileira, quer seja Legislativo, Executivo ou Judiciário. A CPI não investigaria, se fosse instalada, os tribunais, ou Poder Judiciário como um todo, ou todos os magistrados. Enfim, não investigaria todo mundo. Ela investigaria fatos concretos, determinados. Ou seja, investigaria denuncias que são do conhecimento público e precisam ser esclarecidas. Portanto, uma CPI dessa natureza, se instalada, viria também em benefícios das pessoas corretas que militam no Poder Judiciário.

Os Divergentes – Durante a campanha eleitoral para presidente, o Sr disse que, se eleito, convidaria o então juiz federal Sérgio Moro para ocupar o Ministério da Justiça. Ele assumiu o cargo agora. Acha que o desempenho dele está correspondendo ou decepcionando?

Senador Alvaro Dias. Foto Orlando Brito

Senador Alvaro Dias – Se nós tivéssemos outro modelo de governo a presença dele seria ainda mais destacada. Esse modelo de governo torna complexa a atividade do ministro. Ele constantemente é envolvido em certas contradições em razão das posições que ele adota que são conhecidas e reconhecidas e posições enunciadas constantemente pelo presidente da república principalmente.

Os Divergentes – Então acha que a carta branca dada ao ministro Moro pelo presidente tem algumas manchas?

Senador Alvaro Dias – Na verdade existiu uma transferência de responsabilidade, mas não de autoridade para se exercer a responsabilidade atribuída na sua plenitude. Aí que se abre o espaço para determinadas contradições que desgastam.

Os Divergentes – Recentemente saíram algumas pesquisas que apontam mais uma queda na popularidade do presidente Bolsonro.  Como avalia esse resultado com tão pouco tempo de governo?

Senador Alvaro Dias – Em que pese à história demonstrar que nos primeiros 100 dias de governo há sempre boa vontade [com o governo] e um desejo de que o governo acerte, não é surpresa, pelo menos no que me toca, o desgaste que o presidente alcançou nesse primeiro momento do seu governo. Porque isso já era previsível. Durante a campanha ele asseverou, ele não enganou, foi sincero, que não entendia de economia, não entendia de agricultura, não entendia de saúde. E que iria transferir a responsabilidade do comando a todas as áreas do governo. E o que se ver é exatamente um governo perdido. Não há uma direção. O governo não encontrou um caminho. Nós desejamos que ele encontre o caminho. Estou fazendo essa ponderação na condição de independente. Não estou na oposição. Meu partido, o Podemos, adotou essa posição de independência no desejo de ver o governo funcionando e o nosso propósito é o da colaboração. O governo não tem um projeto. O projeto do governo é a reforma da previdência. Isso não basta. A reforma da previdência é necessária, obviamente, mas ela não é suficiente. O governo precisa muito mais do que uma reforma da previdência. Talvez muitos ainda não conseguiram avaliar a dimensão da crise, especialmente das finanças públicas com o crescimento avassalador da dívida que hoje nos leva a ter um déficit nominal de R$ 517 bilhões. Veja, se nós compararmos com aquilo que o governo anuncia como economia decorrente da reforma da previdência, que é de R$ 1 trilhão em 10 anos, em dois anos o déficit nominal engoliria a economia de 10 anos. Isso demonstra por si só que a reforma da previdência não é o milagre próximo que vai salvar o país dos seus problemas.

Os Divergentes – Outro problema do governo é com relação à articulação política no Congresso. Tirando o PSL, que é o partido do presidente, os demais partidos ou estão na oposição ou adotaram uma postura de independência. Como o governo pode resolver isso?

Senador Alvaro Dias – Eu vejo o MDB integrado ao governo, inclusive com a liderança do governo[no Senado], eu vejo o PSDB da mesma forma integrando o governo. O Podemos não tem tido nenhuma proximidade e tem tido uma posição de independência, embora resista a tentação de ir para a oposição, exatamente por conta da responsabilidade. Eu defendo o fim do balcão de negócios, o toma lá da cá. Não há que pedir ao governo nomeações, verbas especiais ao governo. O que há de se exigir do governo é um protagonismo em nossa atividade precípua que é de legislar. Nós temos que legislar.

Os Divergentes – O Sr foi um dos poucos senadores a votar contra a emenda constitucional que torna obrigatória as emendas de bancada ao orçamento. Por que?

Senador Alvaro Dias – Não acho que esse seja o caminho pra corrigir rumos e pra arrumar as finanças públicas do país. Ao contrário, isso denuncia a desorganização que há em que o legislador passa a ser o ordenador de despesa. Há quem tentou apelidar isso de reforma do sistema federativo. Não. Isso denuncia a necessidade da reforma do sistema federativo. Enquanto se discutia R$ 4,6 bilhões num primeiro momento, chegando a 8 bilhões pra os estados e municípios por intermédio das emendas de bancadas, nós não estamos discutindo as desonerações concedidas pelo governo a alguns setores da economia. Estão tomando dos municípios no ano R$ 65 bi dos estados e municípios. O impacto das desonerações em função das perdas de receita chega a 65 bilhões ao ano. Essa é a questão chave. O governo até agora não falou em rever essas desonerações. E também o governo até hoje não prestou conta delas. Não disse que beneficio elas proporcionaram à população. Ao que sei esses benefícios não chegaram à população, ficaram no caminho. Os setores do empresariado se beneficiaram. Por exemplo, se você for comprar um carro você não vai sentir que houve uma redução de preço em função das desonerações que foram oferecidas ao setor automobilístico. Nem o emprego alterou. Ao contrário, nós agora tivemos um recorde de desemprego. Isso significa discutir pacto federativo sim. O governo da União não pode fazer cortesia com o chapéu dos municípios e dos estados como vem fazendo. Então nos estamos discutindo aqui a periferia do sistema federativo e não estamos discutindo a sua essência.

Os Divergentes – Tem uma proposta de sua autoria que trata do fim do foro privilegiado. Esse projeto está andando? Pode ser apensado ao pacote de combate à corrupção do ministro Moro?

Senador Alvaro Dias – É surpreendente a resistência da Câmara dos Deputados diante da pressão popular relativamente ao foro privilegiado. Eu não compreendo como esse projeto não está na ordem do dia. É uma prioridade nacional. A indagação é por que a Câmara não coloca em votação? Cabe ao presidente da Câmara, evidentemente, definir a pauta e há um pleito, inclusive há requerimentos propondo urgência do projeto. Só falta a votação em plenário. Se for colocado em votação, será aprovado.

Deixe seu comentário