Imposto único, o retorno

A proposta de imposto sobre as transações financeiras, proposto pelo Instituto Brasil 200, pode se mostrar ruim para o setor produtivo. Prejudica cadeias de valor com muitas etapas. Não é apenas aquele perigo da cumulatividade em cascata, da aplicação de imposto sobre imposto. É pior, é soma mesmo.

Um exemplo simples ajuda a esclarecer o ponto. A ideia do instituto é cobrar 5% sobre cada operação financeira. Metade para quem credita, metade para quem debita. Se eu tirar dinheiro na boca do caixa, pago os 5% cheios.

Então, se eu tirar 100 reais no caixa para dar uma mesada ao meu filho, paguei cinco reais ao governo. Simples assim. Poderíamos fazer uma brincadeira, dizendo que até as crianças terão que pagar imposto sobre a mesada, mas vamos manter um nível de seriedade. O interessante nessa transação é o de que ela ilustra algo muito importante: tributa-se a mera transferência de dinheiro, sem que haja criação de valor. Não houve trabalho remunerado ou produção realizada.

Imagine agora que eu pago os mesmos 100 reais para uma rodada de uísque dos amigos. Meu imposto é de cinco reais, metade na minha conta, metade na do Silveira, dono do bar. Acontece que o Silveira comprou esse uísque do importador. Essas doses lhe custaram 20 reais e lá veio o tributo naquela transação. Olha aí, 5% de 20 reais, mais um real para o governo, são seis. E o importador comprou esse uísque por 10 reais. É remessa para o exterior, quanto se cobra de imposto? Digamos que o valor cheio, aqueles 5%. Mais 50 centavos para o governo. No total, R$ 6,50 de impostos.

Se, em vez de uísque, eu pagasse uma rodada 100 reais de cerveja, o imposto era o mesmo? Não, poderia ser maior. Vejamos. O governo recolhe os cinco reais de imposto encima da minha conta do bar. O Silveira compra a cerveja a 20 reais do atacadista. Mais um real, são seis. O atacadista compra as brama da Antártica a 10 reais, mais 50 centavos de imposto. São R$ 6,50. Acontece que a cervejaria fabrica a cerveja aqui no Brasil. Compra os produtos e paga os salários. Se o custo de produção é de cinco reais, paga mais 25 centavos de imposto. Vai para R$ 6,75. E se o produtor da cevada compra um real de adubo e sementes para minha cerveja, são mais cinco centavos ao governo. Chegou a R$ 6,80.

Quanto maior a cadeia produtiva, mais transferências de dinheiro. Mais se paga. Outro efeito nocivo que o exemplo mostra é o de que o produto importado paga menos imposto do que o nacional. Os escoceses já estão brindando.

O sistema do imposto sobre transações, aparentemente simples, esconde uma enorme complexidade. E efeitos perniciosos que podem se tornar importantes. Pensar nesses exemplos numéricos ajuda a encontrar as armadilhas escondidas.

O governo fica atraído pela arrecadação e abraça a ideia, agora com uma destinação específica, o custeio da previdência, e com alíquota menor, de 0,6%. O efeito colateral, porém, continua a existir.

Se eu fosse cervejeiro, fugia dessa proposta.

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