Até as emas do Palácio da Alvorada, alvos de ataque com cloroquina, sabem que Jair Bolsonaro cometeu crimes. Mesmo que uns fechem os olhos, o país já conhecia uma penca deles, alguns muito graves. Mas, desde que, no apagar das luzes de seu governo, Bolsonaro fugiu pra Flórida, o rastro de seus crimes fica cada vez mais escancarado.
Nem o fiasco da tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro, em que vândalos com a cumplicidade de órgãos de segurança, atacaram as sedes dos Três Poderes da República, freou o ímpeto golpista. Depois de outros revezes, como na eleição para a presidência do Senado, mais um escândalo pipocou na madrugada dessa quinta-feira (2), que, à primeira vista, parecia apenas uma prova contundente das manobras criminosas de Bolsonaro para reverter o resultado eleitoral.
O senador capixaba Marcos do Val, useiro e vezeiro em desencadear escândalos, geralmente pró-Bolsonaro, e depois recuar como se fosse apenas uma maluquice mal interpretada, aprontou mais uma na madrugada, e seguiu com o espetáculo por todo o dia, com versões diferentes, em suas muitas entrevistas à imprensa, e também desconversou em depoimento à Polícia Federal. Mas, em todas as falas, manteve o cerne de sua denúncia, detalhada em entrevista à Veja, com prints de mensagens que lhe dão alguma veracidade.
O que ficou de pé após as várias versões? No dia 9 de dezembro, o então deputado Daniel Silveira o levou para uma reunião com Bolsonaro em que lhe foi proposto que tentasse, com uma gravação clandestina, conseguir alguma fala do ministro Alexandre de Moraes capaz de incriminá-lo, para uma virada de mesa, na qual o ministro seria preso e a eleição de Lula anulada. De acordo com um dos prints atribuídos a Daniel Silveira, os arapongas do governo forneceriam os equipamentos e garantiriam a segurança da operação. Na entrevista à Veja, Marcos do Val disse que seriam providenciados pelo Gabinete de Segurança Institucional e pela Abin.
Em entrevista, o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI, desmentiu: “É mentira qualquer envolvimento do GSI ou da Abin, como instituições, nesse `plano`. Eu jamais tive conhecimento de qualquer coisa nesse sentido”. O que a Polícia Federal apura é se houve envolvimento de agentes da chamada Abin paralela, que agiria à revelia das instituições, mas a mando de palacianos poderosos.
Mas o que no início parecia uma denúncia escabrosa ou apenas uma maluquice, foi ficando cada vez mais esquisito. Na madrugada, Marcos do Val havia anunciado sua renúncia aos últimos quatro anos de mandato como senador. Mudou de ideia depois de conversar com Flávio Bolsonaro, filho do ex-presidente que ele havia acabado de acusar. Chegaram a trocar elogios. Em manifestação no plenário, o senador Flávio confirmou o encontro e a conversa com seu pai e disse que não houve crime porque no dia 31 de dezembro Bolsonaro deixou o poder.
Essa sequência de supostas doidices acendeu o sinal de alerta quando, em suas entrevistas, Marcos do Val defendeu a abertura de uma CPI para apurar suas acusações, em que apresentaria provas do envolvimento do ministro da Justiça, Flávio Dino, nos ataques terroristas de 8 de janeiro. Citou relatórios de órgãos de segurança, sem revelar a procedência, que dias antes haviam previsto a quebradeira em Brasília.
Em meio ao nevoeiro causado por esses fogos de artifício é possível enxergar uma clara tentativa de tornar o ministro Alexandre de Moraes suspeito no comando dos inquéritos sobre ações democráticas e de transferir de Bolsonaro para o colo de Lula os atentados em Brasília. Visto mais de perto parece outro tiro no pé em mais uma operação Tabajara de Bolsonaro e seus cúmplices, alguns já na cadeia. Outros a caminhos, como parece ser o destino do próprio Bolsonaro.
A conferir.