Relembrando Mário Quintana

A serenidade, a fina ironia e a perfeição dos versos eram características marcantes em Mário Quintana. Pura leveza e perspicácia. Sua criação poética de mais de 50 obras, é uma especial e expressiva contribuição para a cultura brasileira. Traduziu em torno de 130 livros da literatura universal, clássicos de Virgínia Wolf, Balzac, Voltaire, Graham Greene e Marcel Proust, entre outros escritores consagrados e desconhecidos.

Quintana iniciou os estudos no Colégio Militar de Porto Alegre e foi balconista da pequena farmácia do pai. Logo depois foi trabalhar na Editora Globo e no Correio do Povo. Mesmo envolvido com as traduções e a concepção de suas próprias obras, jamais abandonou o jornalismo. Aconselhado por amigos, concorreu por três vezes a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras. Mas em nenhuma delas foi eleito. Nasceu em Alegrete, em 1906. Faleceu em 1994.

Fui estar com Mário Quintana para fotografá-lo para meu livro “Senhoras e Senhores”, uma reunião visual de oitentões e noventões famosos que destacaram na cultura brasileira. E o poeta era, sem dúvida, um deles, assim como Raquel de Queiróz, Oscar Niemeyer, Burle Marx, Lúcio Costa, Dercy Gonçalves, entre outros.

O poeta tinha três sobrinhas. Cada uma delas destinava oito horas do dia para acompanhá-lo. Era uma maneira de jamais deixá-lo sozinho nos momentos em que se aproximava o fim de sua vida. Durante dois meses falei com elas por telefone praticamente todos os dias. Rezávamos pela melhora do Mário. O poeta tinha que ter boa estampa nas páginas do livro “Senhoras e Senhores”.

Fiquei ansioso à espera do momento adequado para ir retratá-lo em Porto Alegre. Eu corria contra o tempo. Primeiro, sabia do precário estado de saúde de Quintana.

Numa sexta-feira, enfim, eu estava no hotel onde ele morava. Não era mais o Majestic. Era outro, de propriedade do craque do Internacional, Paulo Roberto Falcão. Encontrei-o sentado à cama, ouvindo o “Adágio”, de Albinoni.

Antes de despedir-me, fiz as mesmas quatro perguntas que apresentei para todos os personagens anteriores. A diferença que estabelecia entre o jornalismo e a poesia. Disse-me que o jornalismo lhe permitiu estar em contato com esse mundo, e a poesia com outros. Depois, o significado da fama. Uma ambígua mescla de gostosura e chatice.

Em terceiro, indaguei-lhe sobre ultrapassar os 80 anos. Respondeu-me:

— A idade é uma cruel invenção do calendário.

E por último, o melhor momento de sua vida.

– Bá, tchê, então não foi quando nasci?

Orlando Brito

Deixe seu comentário