Não é de hoje que a política se serve do futebol. E vice-versa. Diariamente vemos grandes nomes da chamada seara do poder em fotos ao lado de nomes famosos, ídolos dos esportes. Não é também, diga-se, fenômeno exclusivo do Brasil. Nenhum mandatário de qualquer país abre mão de pegar carona no sucesso de atletas vitoriosos, campeões.
É maneira prática, barata e objetiva de mostrarem-se próximos da massa de torcedores. Na verdade, eleitores. Ainda mais no Brasil, onde o futebol é o esporte número 1 da preferência popular. É sem dúvida maneira de sentirem-se perto do povão.
Os esportes, para bem dizer, são mesmo um forte eleitor. É incontável o número de vereadores, prefeitos, deputados, senadores e, claro, presidentes que se elegem aliando sua imagem ao fanatismo dos torcedores, de times e clubes. Tremendo e incontrolável jogo de interesse que na maioria das vezes resulta positivo.
No Brasil, o primeiro registro de um presidente entrar em um campo de futebol remonta ao longínquo ano de 1927, quando a República era ainda bem jovem. Washington Luís, vestiu terno e gravata e para ir ao centro do gramado dar o pontapé inicial da partida entre o Vasco da Gama e o Santos.
Conta-se que justamente aí surgiu a primeira polêmica em torno de autoridades tirarem proveito dessa situação. Feitiço, atacante santista, depois do jogo, disse que o presidente Washington Luís tinha poder dentro do palácio. Que dentro de campo, o brilho era dos jogadores. A diretoria do clube paulista não gostou das palavras do atleta e acabou impingindo a ale uma punição.
Logo depois, Getúlio Vargas chegou ao poder e não abriu mão de também aliar sua imagem ao esporte. Tanto que foi no mesmo Estádio do Vasco, à época o maior do mundo, que escolheu para anunciar o lançamento de um dos principais programas de seu governo, o Salário Mínimo. Foi também São Januário que Vargas realizou vários eventos ligados ao futebol. Torcedores e atletas de vários times eram convidados para festa de condecorações, homenagens, etc.
Era, aliás, moda na primeira metade do século passado, os presidentes comparecerem aos estádios para dar o tal chute inicial das partidas. É só ver nessa foto do catarinense Nereu Ramos, que assumiu a a cadeira de Café Filho, quando este adoeceu e Carlos Luz foi impedido legalmente de subir ao poder. Nereu foi a estrela da festa do jogo entre Palmeiras e Floriano, em Blumenau. Era tão importante ter um registro da imagem que o fotógrafo entrava em campo para retratar o lance bem de perto, para não correr disco de erros.
O presidente seguinte, marechal Eurico Dutra, era avesso aos jogos de azar. Mas era fã do futebol. Flamenguista. Depois, com a morte de Getúlio Vargas, gaúcho e gremista, subiu ao poder, o potiguar Café Filho. Não entrou em campo, como seu antecessor, mas logo logo descobriu-se que o novo presidente era também amante do futebol. Os jornais da época cuidaram de publicar sua foto como atacante do clube do seu coração, o Alecrim, de Natal.
Depois, vieram os anos JK. Juscelino era a imagem do sucesso. Afável, leve, futurista. E foi em seu governo que a Seleção ganhou sua primeira Copa do Mundo, na Suécia, em 1958. O time de Pelé, Garrincha e Didi deu novo destino ao futebol brasileiro. Foi quando se cantou pela primeira vez a música que tornou símbolo da conquista na Europa: “A Taça do Mundo é nossa, com o brasileiro, não há quem possa. Êê esquadrão de ouro, é bom no samba, é bom no couro…”, de autoria de Wagner Maugeri, Lauro Müller e Victor Dagô. O presidente Kubitschek não foi ao Aeroporto do Galeão receber os campeões, mas os recepcionou no Palácio Laranjeiras com toda pompa. Foi quando revelou por qual time torcia: o América de Minas Gerais, sua terra natal.
Jânio Quadros durou pouco tempo à frente da presidência da República. Renunciou quando tinha somente sete meses de governo. Torcedor discreto do Corinthians, quando era ainda governador de São Paulo não se furtou a receber no Palácio Bandeirantes, com direito a fotografia, os campeões da época: o goleiro Gilmar e os zagueiros Luiz Bellini e Djalma Santos. Ao lado deles, o presidente da Confederação Brasileira de Deportes, João Havelange, e da Federação Paulista, o lendário Mendonça Falcão.
João Goulart sucedeu a Jânio na Presidência. Gaúcho de São Borja, era torcedor do Inter. Tem até foto de Jango quando jogava nas chamadas categorias de base no Colorado. Quando o Brasil foi bi-campeão mundial, no Chile, Jango fez questão de voar de Brasília para o Rio. Posou com a Taça Jules Rimet, ao lado das estrelas Garricha e Pelé, tal como fizera JK quatro anos antes.
Em 1964 Jango foi deposto pelo golpe militar. O novo presidente era agora o marechal Castello Branco, homem de poucas palavras. Ainda assim abriu a agenda para apertar a mão de Garrinha e Havelange. Seu sucessor, o general Costa e Silva também não foi aos estádios, mas não negava sua admiração pelo Grêmio de Futebol Porto-alegrense.
Já o general Garrastazú Médici, também gaúcho e gremista, sempre que podia comparecia ao Maracanã para ver os clássicos. Com um rádio de pilha ao pé do ouvido, torcia a cada lance pelo Flamengo. Em seu governo, o Brasil conquistou o tri no México. A chegada da Seleção foi uma festa, com os craques levantando com ele a Taça Jules Rimet no parlatório do Palácio Planalto. Eram os os tempo do “Prá frente Brasil”
O general Ernesto Geisel não era versado em futebol. Não se sabe até hoje por qual time tinha preferência. Mas recebeu título de cidadão botafoguense. E também não deixou de posar para uma foto com a Seleção, antes de viajar para a Copa da Alemanha, em 1974, no terceiro andar do Planalto. Eu mesmo, jornalista dO Globo à época, estava lá e fiz a foto. Só depois embarquei para Gelsenkirchen.
João Figueiredo era torcedor fanático do Fluminense. Tão apaixonado que, muitas vezes, vestia nos fins de semana a camisa do Flu para cavalgar na Granja do Torto. Sabia de cor a escalação do time. Vez ou outra descia ao Comitê de Imprensa do Planalto Planalto para apostar com o colega Emerson Sousa, flamenguista de primeira, o resultado do próximo Fla x Flu.
O mineiro Tancredo Neves não chegou a assumir a Presidência. Mas nada de Atlético nem Cruzeiro. Era América de Belo Horizonte. Sarney, seu sucessor, não torcia para equipes do Rio, São Paulo, Minas ou Rio Grande do Sul. É até hoje, fã do Sampaio Correia, do Maranhão.
Fernando Collor, que além de presidir a República, presidiu também o Centro Sportivo Alagoano, de Maceió. Fez de do craque Zico seu ministro dos Esportes. Itamar Franco, seu vice, que o sucedeu no Planalto era torcedor do Sport Club Juiz de Fora.
Fernando Henrique Cardoso confessa que futebol não é sua praia. Mas sempre se declarou, sem muita convição, corintiano e flamenguista. É possível que única vez que vibrou com o futebol tenha sido no dia em que a Seleção campeã foi recebida por ele na rampa do Planalto, em 1994.
Lula jamais negou sua paixão pelo time do Parque São Jorge, agora de Itaquera. E é daqueles torcedores que vestem a camisa. Vai a campo, brada e até chora nas derrotas. Luís Inácio talvez tenha sido dos presidentes da República o único que entrou em campo para jogar, como atleta. Eu mesmo o fotografei várias vezes correndo atrás da pelota em seu tempo de deputado.
Dilma Rousseff nasceu em Minas e morou durante anos no Rio Grande do Sul. Fã do Atlético e do Internacional de Porto Alegre. Foi durante seu governo que realizou-se no Brasil a Copa de 2018. No lançamento, posou ao lado de Josef Blatter com a taça da Fifa. Foi aplaudida. Mas, quando foram ao jogo no Estádio Mané Garrincha, foi vaiada. Michel Temer nunca foi um esportista. Raras foram as vezes que frequentou um estádio, nem mesmo para ver um jogo do São Paulo Futebol Clube, seu time de preferência.
O futebol brasileiro, enfim, tornou-se uma das grandes marcas de sucesso do país. Nenhum presidente abre mão de aliar sua imagem a esse produto. Não é à toa que Jair Bolsonaro, palmeirense de carteirinha, leva em sua bagagem nas viagens pelo mundo camisas da Seleção, como aconteceu em sua ida aos Estados Unidos, quando deu de presente a Donald Trump na Casa Branca uma camiseta verde-amarela. E à china, mês passado, a vermelha-e-preto do Flamengo ao presidente da China Xi Jinping.