Querem impeachment? Encham as ruas

Sem povo nas ruas, o Parlamento, apontado como único empecilho, não irá se mover. Foi assim com Collor e com Dilma. O Parlamento é protagonista deste espetáculo, mas, sem plateia, não sobe ao palco

Congresso Nacional- Foto: Orlando Brito

Uma das análises políticas mais recorrentes é, ao mesmo tempo, um cacoete dos brasileiros. Quando algo não está indo conforme o esperado, a culpa é do Congresso Nacional.

Responsabilizar os parlamentares tornou-se um jeito fácil de se eximir das responsabilidades, embora contraditório. Com exceção dos suplentes de senadores, uma excrescência legal, todos os demais foram eleitos. Culpar os parlamentos é (1) admitir a inépcia eleitoral dos cidadãos ou (2) reconhecer que os políticos eleitos são a cara guspida e escarrada dos eleitores.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira – Foto: Orlando Brito

O impeachment do presidente Jair Bolsonaro não anda. Empacou na escrivaninha de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, único brasiliano com poderes para dar andamento à acusação de crime de responsabilidade do primeiro mandatário da República. Mas o deputado não é o único protagonista.

Quíntuplas razões

Em que pesem às diferenças conjunturais das deposições de Fernando Collor (1992) e Dilma Rousseff (2016), o roteiro do impeachment do capitão-mor segue premissas semelhantes. Economia desarranjada, perda de sustentação parlamentar e apoio maciço das ruas. Outros dois fatores não são menos relevantes: respaldo legal e explícito da Corte Suprema e garantia real (pode ser implícita) das Forças Armadas.

Embora o STF (Supremo Tribunal Federal) tenha se transformado numa corte política, onde a hermenêutica serve às circunstâncias, razoável supor que seus juízes, acossados pelo presidente da República, respaldem as decisões das duas casas do Congresso Nacional.

Daqui em diante começam os obstáculos.

Empresário Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa
Os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff foram depostos pelo Parlamento

A economia está em “frangalhos”, para usar a expressão de Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa, em entrevista a Rennan Setti e Mariana Barbosa. Porém, há – ainda – a escapatória de responsabilizar o novo coronavírus alegando que a pandemia não afetou somente o Brasil, mas todo o Planeta. Vai que cola…

O alto-comando militar respaldou os impeachments de Collor e Dilma. Desta vez o assunto atiça quase toda a tropa, não apenas os generais. Quem souber como eles irão agir agora ganha uma vaga numa dessas consultorias que cobram para tentar adivinhar o futuro.

Maioria popular + base minoritária

As outras duas variáveis nesta difícil equação caminham juntas. Nenhum outro poder é tão suscetível à opinião pública do que o Parlamento. Esta sensibilidade aumenta em períodos pré-eleitorais. Hoje, não há maioria entre os deputados federais para desencadear o processo de impeachment; o veredito derradeiro cabe ao Senado.

No entanto, ao contrário dos juízes do STF, cujos vencimentos lhes estão assegurados vitaliciamente, políticos precisam enfrentar o escrutínio das urnas periodicamente. Nos dois impeachments anteriores, o Congresso Nacional tornou irreversível o caminho da queda dos mandatários quando dois fatores se congeminaram – povo nas ruas e base de sustentação minoritária (171 deputados federais ou menos).

Bolsonaro rendeu-se ao toma-lá-dá-cá. Ao custo de bilhões de reais do erário, mantém o apoio de uma base frágil. Poderia fazer muito mais se seu governo tivesse rumo e alguma coerência programática. Esta parcela, no entanto, é suficiente para mantê-lo no poder.

Manifestação contra Jair Bolsonaro – Foto: Orlando Brito

O que pode mudar a opinião de parlamentares hoje situacionistas é a patuleia nas ruas, com manifestações maiores e mais unificadas do que as vistas até aqui. Sem um contingente expressivo e com as emendas parlamentares liberadas, o Parlamento não se move.

Mesmo assim, dois fatores tornam este processo mais difícil do que os anteriores. Nem mesmo na oposição – PT à frente -, o interesse pela deposição do hodierno mandatário é prevalente. Afinal, depô-lo é abrir espaço a um candidato sem a rejeição recorde de Bolsonaro, candidato à reeleição em 2022. O outro fator é a massa de sequazes disposta a pegar em armas pelo capitão-mor, que também poderiam ocupar as ruas embaralhando a cabeça de parlamentares relutantes.

Impeachments são traumáticos, mas o de Bolsonaro reuniria variáveis mais complexas do que os anteriores. Em qualquer caso, povo nas ruas é condição sine qua non. O Parlamento é protagonista deste espetáculo, mas, sem plateia, não sobe ao palco.

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