Marco Aurélio precisa explicar seu conceito de periculosidade

De um lado, o traficante André do Rap. Do outro, o deputado Daniel Silveira. Ambos são perigosos, mas apenas um mereceu a prisão. Mais do que temida, a justiça tem que ser respeitada

O juiz Marco Aurélio Mello, da Corte Máxima do Judiciário brasiliano - Foto: Orlando Brito

Ao concordar com a manutenção da prisão do deputado Daniel Silveira, que defendeu o AI-5 e ameaçou os juízes do STF (Supremo Tribunal Federal), o juiz Marco Aurélio Mello justificou-se. “Creio que ninguém coloca em dúvida a essa altura a periculosidade do preso nem a necessidade de preservar a ordem pública, mais especificamente as instituições”, disse, na sessão de quarta, 17.

Portanto, o deputado é perigoso.

Ao mandar soltar o traficante André do Rap, do alto comando do PCC, conhecida e violenta organização criminosa, o veterano juiz não viu o mesmo perigo. Valeu-se de dispositivos legais acionados por presos capazes de bancar caros advogados, mas deixam na mão a maioria (em geral, pobres e negros) que não dispõe de pecúnia para contratar sequer rábulas.

Ou seja, o traficante não é perigoso.

Noves fora ser estranho que o julgamento de um traficante chegue a uma corte constitucional, seria possível adotar solução mais conscienciosa. O decano – alcunha que parte da imprensa adota como se isto significasse sensatez – poderia, por exemplo, ter determinado à instância inferior que decidisse imediatamente a necessidade ou não de manutenção da prisão preventiva. Precaução mínima diante da iminência da fuga e da existência de condenação já em duas instâncias.

Não satisfeito, o sufeta do STF ainda criticou seu colega Luiz Fux por este ter revogado a soltura do preso escafedido. Segundo Marco Aurélio, “a autofagia [entre os ministros] desacredita o Supremo“. Não seria difícil auferir numa pesquisa de opinião o que mais desacredita aquela corte, se a soltura ou a prisão de um traficante.

Daniel Silveira é o deputado preso pelo STF com apoio da Câmara – Foto: Orlando Brito

De um lado, um deputado com tendências autoritárias e beligerantes, mas com residência e local de trabalho conhecidos, que não mobilizou apoio sequer entre seus pares no Parlamento, deve permanecer preso. Do outro, um marginal violento, cujo paradeiro é desconhecido e o local de trabalho é a propriedade e a vida alheias, deve ganhar a liberdade.

No primeiro caso, um ato discricionário do STF, o qual devia ter instado à Procuradoria-Geral da República que denunciasse o meliante, como escreveu Thaís Oyama, evitando transformar o STF, simultaneamente, em vítima, acusador, investigador e julgador. No segundo, tão evidente era o absurdo da soltura que todos os demais juízes do STF rejeitaram a decisão de Marco Aurélio.

A melhor conclusão é que ambos, deputado e traficante, são perigosos. Mas Marco Aurélio só viu perigo num deles.

Gaba-se o sufeta ter 42 anos de experiência. Que tal usá-la para tentar explicar os pesos e medidas que adota em suas decisões? Uma resposta convincente, sem esnobismo perfunctório, talvez evite que mais brasilianos pensem como o deputado falastrão, desacreditando os integrantes da corte.

A mesma corte onde alguns integrantes não admitem ser investigados, contando, para isto, com a inação do Senado. O mesmo tribunal que, segundo os jornalistas Carolina Brígido e André de Souza, mantêm 377 processos parados sob a alegação genérica de pedido de vistas. O mesmo tribunal que pode detonar a Lava-Jato (com o apoio de petistas e bolsonaristas), a primeira operação policial que encarcerou ricos, brancos e poderosos.

Como resumiu antologicamente o jornalista José Nêumanne, não é possível acreditar na Suprema Corte do Brasil, cujos descréditos foram listados n’Os Divergentes. Diante das evidências, o supremo sufeta mostra indiferença ao propagar que o “efeito externo” não o preocupa. Está errado. Quase três décadas confinado aos palácios de mármore de Niemeyer parecem ter embotado sua visão. Mais do que temida, a justiça tem que ser respeitada.

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