Jair Bolsonaro tem senso de marketing e gosta de jogar com o elemento surpresa. O gesto de passar a mão no ministro da Economia e num punhado de empresários e marchar com eles para o Supremo Tribunal Federal não foi, como poderia parecer, um bem vindo aceno ao entendimento entre os poderes no dia seguinte à admoestação pública do presidente do Supremo, Dias Toffoli, quanto aos ataques ao Judiciário.
Ao contrário, Bolsonaro foi levar, com transmissão ao vivo pelas redes, as queixas da indústria – justas mas insolúveis – em relação ao isolamento e fechamento da economia. Traduzindo: o presidente da República atravessou a Praça dos Três Poderes para jogar no colo do STF parte da responsabilidade pela grande recessão que se avizinha.
Foi uma jogada tipicamente bolsonariana, e a cilada pegou Toffoli de surpresa. O presidente do STF não escondia seu desconforto na cena montada pelo Planalto. Além de pedir a manutenção do veto à possibilidade de reajuste de funcionários públicos – tema que inevitavelmente vai parar na Corte – , Paulo Guedes repetiu direitinho o discurso do chefe em relação à retomada das atividades da economia. Como pano de fundo, o temor em relação às medidas de lockdown que estão sendo decretadas em diversos estados. Ninguém falou, mas no alvo da crítica estavam as seguidas decisões do STF de reforço às medidas decretadas pelos estados em relação ao isolamento.
Toffoli não passou recibo explícito, mas disse que o Executivo deve coordenar um plano de retomada da economia, chamando estados e municípios para conversar. Mas ressaltou que, até agora, a estratégia que vem sendo adotada vem dando certo, diante do que poderia ter sido. Declarou-se favorável a uma saída ordenada do isolamento, mas, naturalmente, não se comprometeu com nada concreto.
Tudo indica que o Supremo Tribunal Federal vai continuar exatamente onde está, ao lado da sensatez e das prerrogativas dos estados e municípios de tomarem suas decisões em relação a medidas restritivas. Até porque Bolsonaro e os industriais escolheram um péssimo momento para aparecer no Supremo, horas depois do anúncio dos piores números da pandemia no país, com 615 mortes notificadas em 24 horas e mais de 125 mil casos de contaminação.