Hoje fui pela última vez ao Piantella. Fui buscar o retrato do meu pai, que nos últimos anos esteve na parede do restaurante, junto com tantos outros de políticos, jornalistas, personagens vivos e mortos de uma Brasília que se foi, clicados por Orlando Brito — e que ali estão à espera de serem resgatados por alguém. Junto com as cadeiras empilhadas, as mesas num canto, as últimas duas poltronas de couro do antigo bar aguardando o novo dono, o painel de Athos Bulcão ainda não vendido…
Penso que o amontoado de móveis e objetos prestes a serem descartados do que foi o principal ponto de encontro político da capital é hoje o símbolo mais adequado para o que estamos vivendo. Mais do que o saudosismo pelo fim de uma era — as eras acabam mesmo — , retrata um cenário de destruição. As mesas onde Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Thales Ramalho, Fernando Lyra e tantos outros se sentaram para tramar a operação que encerrou o regime militar e restabeleceu a democracia no país foram desmontadas. Ao que parece, hoje estão tão desconjuntadas como alguns dos valores, hábitos e comportamentos civilizados que permitiram ao país atravessar esse processo graças a um acordo entre adversários.
O salão do andar superior, onde ficava, num canto, a mesa do Dr. Ulysses, e onde, alguns anos depois, o primeiro operário eleito presidente da República no país almoçou logo após ser diplomado no TSE, foi fechado. Mas será que não o foram também, nos tempos atuais, todos os canais de conversa entre desiguais na política? Por que o Piantella haveria de manter suas portas abertas no atual estado de coisas, quando o presidente da República confraterniza com golpistas enquanto jornalistas são agredidos em frente ao Planalto? Um presidente que foi eleito diretamente por obra e graça daqueles que, um dia, se sentaram às mesas do Piantella para conversar.
Peguei o retrato do Carlos Chagas na mesa e esbarrei com o do Guilherme Palmeira, outro personagem daquele acordo dos idos de 1994 e uma excelente fonte. Àquela altura, não sabia que ele havia se ido hoje também. Lembrei do Aldir Blanc e da poesia de sua esperança equilibrista. Vejo as fotos que restaram e penso que a história que cada um deles ajudou a construir nos últimos 40 anos pode até estar meio fora de moda, mas não será esquecida nem superada. Porque democracia, liberdade e justiça às vezes perdem batalhas, mas não a guerra. Se preciso, faremos tudo de novo. Digo para ele: Pai, vamos embora para casa porque ainda temos muito trabalho pela frente…