O jogo de perde-perde dos tucanos

Os tucanos trocaram as bicadas por peçonhas em um arriscado jogo de autodestruição

As intrigas, como a defesa da democracia, são um patrimônio de berço do PSDB. Nos oito anos de reinado de Fernando Henrique Cardoso no Planalto, as divergências e as traições, inclusive as mais ferinas, costumavam ser embaladas em um invólucro de civilidade, com alguma pitada de hipocrisia. Mas não se faz mais tucanos como antigamente.

Naqueles tempos, o candidato a presidente da República era escolhido por um restrito grupo de caciques em torno de uma boa mesa em um restaurante estrelado. Evidente que era o desfecho de inúmeras costuras anteriores. Mas transmitia a sensação de paz e unidade no ninho tucano. 2018 fora, esse modelo sempre deu certo: em todas as eleições presidenciais, exceto na loteria em 1989, eles venceram no primeiro turno ou chegaram competitivos no segundo turno.

Alckmin na campanha de 2018: sozinho no interior do Brasil

Depois do fiasco fora da curva em 2018, o projeto do tucanato era voltar a ser player em 2022. Conseguiram bom ativos com elogiadas gestões em São Paulo e no Rio Grande do Sul e fizeram um golaço com João Doria com a conquista da vacinação contra a Covid-19, impondo uma estrondosa derrota à omissão criminosa do governo Bolsonaro.

O que mais impressiona nesse enredo é por que João Doria com tamanhas conquistas não decolou, sequer em São Paulo, nas pesquisas sobre intenção de voto para a eleição presidencial. Mesmo com toda a máquina pública paulista a seu favor, ele não consegue descolar do andar de baixo nas pesquisas. Empata, por exemplo, com o correligionário Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, mal conhecido país afora.

Sergio Moro aproveita para cumprir agenda de campanha – Foto Orlando Brito

Doria segue em um patamar inferior ao de Ciro Gomes, conhecido em todo o país por ter competido em várias eleições presidenciais, e o ex-juiz Sérgio Moro que já entra no páreo em terceiro lugar, depois de uma intensa campanha de quase todos os naipes contra a operação Lava Jato.

A turma de Doria acha que, ao mostrar os bons resultados de sua gestão, pode virar esse jogo na campanha eleitoral. Eles avaliam que podem juntar os cacos do PSDB e se impor como o tal candidato da terceira via. O que me dizem de São Paulo que nem por aí isso cola.  O que atropelaria a ascensão de Doria seria o carimbo na testa, em sucessivas ocasiões, de traidor do padrinho Geraldo Alckmin, um político respeitado até pelos adversários. Somada a uma falta de carisma e a postura de mauricinho.

Foi apostando nessa fragilidade de Doria que caciques tucanos país afora resolveram bancar o jovem governador gaúcho para um voo inovador nesse triste cenário político do país. Além de sua boa gestão, ele já entrou em campo se declarando gay em uma entrevista a Pedro Bial. Sua sinceridade bem mais que a opção sexual deu liga com alguma parcela da população enojada com os preconceitos difundidos pela trupe bolsonarista.

Tasso Jereissati e Aécio Neves, caciques tucanos – Foto Orlando Brito

Eduardo Leite foi a luta com uma assessoria pessoal de campanha de três ou quatro gatos minguados, contando com o apoio de caciques como Aécio Neves e Tasso Jereissati. Aécio era o único que tinha bala para enfrentar o poderio da máquina paulista de Doria, por seu acesso privilegiado às destinações das milionárias verbas federais nos orçamentos público e secreto. É um chamariz quase irresistível a políticos que só pensam na própria reeleição. Esse atrativo confundiu o jogo. Não há como distinguir se o PSDB é governista ou oposição.  A banda toca para todos os lados.

Com esse cacife, Aécio queria que Eduardo jogasse mais pesado contra Doria, contrariando toda a prática política do governador gaúcho. Isso gerou uma certa desconfiança na turma de Eduardo se o interesse real de Aécio era emplacar um candidato tucano mais amplo ou simplesmente detonar Doria em proveito de outros presidenciáveis como Bolsonaro.

O aplicativo problema – Foto Orlando Brito

Foi nesse melê que se deu o pau no aplicativo nas previas presidenciais. O que é ruim sempre pode piorar. Virou mote para todo o tipo de teoria de conspiração. Por um acaso, entre 11 convidadas, a única a aceitar o prazo de quatro meses para entregar o tal aplicativo foi a Fundação de Apoio à Universidade Federal do Rio Grande do Sul, estado governado por Eduardo Leite. Nesse jogo político o que menos importa é que ela seja altamente respeitável e o aplicativo ter sido submetido e aprovado em outras instâncias como a da consultoria da Universidade de São Paulo. A desconfiança melou o jogo.

Bruno Araujo com os candiatos Leite, Dória e Virgílio e o neto de Mário Covas na festa de domingo – Foto Orlando Brito

Incentivado por seus aliados, Eduardo Leite tem dito a seus apoiadores que se a apuração for esticada até domingo o poderio econômico de Doria  pode transformar sua vitória em derrota. Tão lhe soprando a suspeita de que a falha no aplicativo teria ocorrido por intervenção externa. Se o voto é secreto, essa proclamada certeza de Eduardo Leite não passa de mera suposição. Talvez um pretexto.

Dizem aliados dele que, se perder e fatos não convencerem de que foi garfado, ele estaria disposto a chutar o pau da barraca. Pode até tentar concorrer por outro partido. Se isso for inviável,  sua opção seria cumprir o mandato, depois ir estudar nos Estados Unidos e se preparar para as eleições presidenciais de 2026.

O problema do PSDB, se não conseguir uma pirueta para dar a volta por cima,  é avaliar até que ponto vai a autodestruição.

A conferir.

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