O Brasil navega à meia luz na pandemia do novo coronavírus

Não adianta conspiração no governo e nem pressão para abreviar o isolamento social. A bússola para qualquer decisão sensata são os testes sobre a contaminação do Covid-19 ainda em falta.

Presidente da República, Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta - Foto Carolina Antunes/PR

Um antídoto acalmou o país nas últimas semanas das maluquices dia sim dia não do presidente Jair Bolsonaro sobre a evolução no Brasil da epidemia do Covid-19. São os boletins diários do Ministério da Saúde, comandados pelo sensato Henrique Mandetta, sucesso de crítica e de público. Mas mesmo aí algo desandou essa semana.

Nem influiu a mudança de formato, para satisfazer o ciúme de Bolsonaro com o sucesso de Mandetta, com a participação de outros ministros e órgãos do governo. Até ficou mais informativo. O que pegou mesmo foi o desmanche do castelo de cartas que criou a ilusão de que o país, se aguardasse em isolamento social, rapidamente conseguiria se preparar para que seu sistema de saúde desse conta do recado. Montou-se, então, um painel sobre a evolução dos casos, profusamente divulgado pela imprensa e ansiosamente acompanhado pelo país.

A exemplo da área econômica, com seus diários anúncios bilionários com dificuldades de chegar à ponta, a equipe da Saúde, em meio a uma guerra mundial por material de proteção nos hospitais e equipamentos médicos, anunciou o que não conseguiu entregar. Nenhuma culpa deles, atropelados por concorrentes mais vorazes e com muito mais grana. Máscaras, ventiladores pulmonar fazem falta mas até agora pouco influem no tal painel sobre casos confirmados e óbitos. O que distorce o resultado lá é a falta de testes.

Nessa quinta-feira, o tal boletim amplo, no Palácio do Planalto, voltou a não ter a presença de ministros. Já havia ocorrido isso na segunda-feira por causa da reunião de Bolsonaro com o ministério em que se confirmou que Mandetta ainda não seria demitido. Pressionado dentro e fora do governo, o presidente mais uma vez se acovardou. Depois de gargantear a demissão, recuou. Engoliu, mas não deglutiu.

Onix e Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Dessa vez, os ministros ficaram de fora porque a CNN divulgou uma conversa, obtida por acaso ou não, entre o ministro Onyx Lorenzoni e o deputado Osmar Terra em que conspiram para derrubar o ministro da Saúde. Onyx chega a dizer que, se tivesse na cadeira de Bolsonaro, teria demitido Mandetta durante a reunião na segunda-feira. Osmar Terra, candidatíssimo ao ministério, se oferece para ajudar a derrubar Mandetta. Tudo isso virou uma saia muito justa no governo.

Osmar Terra e Bolsobaro – Foto Orlando Brito

Jair Bolsonaro abriu sua live nas redes sociais da quinta-feira dizendo que não falaria sobre essa conversa entre Onyx e Terra, mesmo tendo recebido Mandetta antes. Mas não se conteve. Lá pelas tantas usou o bordão de Mandetta de que médico não renuncia a paciente — criado pelo ministro para se livrar da pressão alimentada pelo gabinete de ódio do Palácio do Planalto para que pedisse demissão — para jogar lenha na fogueira. Disse Bolsonaro que médico não larga paciente, mas que paciente dispensa médico. Tão infantiloide que nem merece comentário.

O fato é que nesse clima sobrou para o secretário-executivo João Gabbardo e o secretário-nacional de Vigilância Wanderson Oliveira, já bem conhecidos e com credibilidade do país, dar as caras. São tantas pressões internas no governo para sair logo do isolamento social e notícias ruins de operações atrasadas ou fracassadas, em que dias antes apostavam, que eles meio que tropeçaram em um parâmetro fundamental — a aplicação de testes.

Mandetta, Gabbardo e Wanderson

Wanderson chegou a anunciar que já haviam sido aplicados mais de 300 mil testes. Depois que o número foi usado por Gabbardo como argumento de que o Brasil estava bem nesse quesito, Wanderson se corrigiu. Segundo ele, teriam sido aplicados mais de 153.961 testes para problemas pulmonares — muitas vezes usados como preliminares para não gastar escassos testes específicos para o novo coronavírus. Específicos para o Clovid-19 haviam sido feitos até essa quinta-feira exatos 62.985, um número muito baixo. Pelas próprias contas do secretário Wanderson, há 127 mil casos à espera de exame para averiguar a contaminação.

Esses números são oficiais. Como é que pode discutir com alguma seriedade abrandar ou não as restrições para as pessoas saírem do isolamento social com tão pouca informação sobre o alcance hoje desse vírus no Brasil? Evidente que está todo mundo, principalmente quem está no grupo de risco, de saco cheio de ficar preso em casa. Mas sem pelo menos uma testagem muito maior, uma bússola nessa pandemia, é uma arriscada aposta com a vida alheia pelas autoridades em todos os níveis. A promessa é que nos próximos dias e semanas haverá testes suficientes para isso.

A conferir.

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