Kassio aposta em platitudes para driblar cobranças e chegar ao STF

O jogo do establishment político para virar o jogo pro impunidade com a saída de Celso de Mello

Kassio Nunes Marques - Foto TRF-1

Nesse país de tantas decepções, prometia-se algo diferente para virar o disco de sempre. O novo roteiro chegava com sucesso absoluto de público e, até então, de crítica. Previa em seu script original que a aposentadoria compulsória do decano Celso de Mello no STF  se tornasse um momento de glória para a democracia. Com todas as pompas, ele passaria o bastão no Supremo para Sérgio Moro, o juiz que comandou a Lava Jato, a maior operação de combate à corrupção da nossa história. Uma troca de guarda entre titãs.

Por todos e quaisquer ângulos, o sonho virou desilusão. Celso de Mello se despede nessa quinta-feira tendo que superar dores físicas em sua última batalha no tribunal. Quer emplacar como sua derradeira contribuição a velha e boa máxima de que a lei vale igual para todos. Inclusive para o presidente da República, alvo em polo oposto da mesma investigação sobre Sérgio Moro, que prestou depoimento presencial na Polícia Federal.

Ministro Celso de Mello – Foto Orlando Brito
André Mendonça, Bolsonaro e Toffoli  – Foto Orlando Brito

Não só a despedida de Celso de Mello virou um problema para a democracia. Sua sucessão também. Em boa parte de seu governo, Bolsonaro manteve a expectativa de que Sérgio Moro era a sua carta para a sucessão de Celso de Mello. Virou desafeto, adversário, inimigo e a roda girou.

Nomes entraram, cresceram e minguaram. Enquanto estavam no páreo, ainda mostrando serviços a Bolsonaro, dançaram supostos favoritos como o procurador-geral da República, Augusto Aras, o ministro da Justiça, André Mendonça, e o ex-presidente do STJ Otávio Noronha. Jorge de Oliveira, secretário-geral a Presidência da República, nublou o jogo, um inesperado favorito. Pura sombra. Já estava escalado para o Tribunal de Contas da União.

Com tantos favoritos nesse páreo, a surpresa foi a escolha do desembargador federal Kassio Nunes Marques, que se candidatava a uma vaga em um andar abaixo, a ser aberta pelo ministro do STJ Napoleão Maia. Kassio efetivamente desceu de paraquedas, com uma inesperada precisão. Dizem no Piauí que seu sucesso se deve ao mesmo equipamento com que decolou de lá — a capacidade de se relacionar.

Atribuem a isso os múltiplos apoios de petistas, tucanos e bolsonaristas em sua ascensão profissional. Mas desde a advocacia Kassio Nunes mostra luz própria. O que parece ser um senão é o que apurou o Estadão sobre o seu currículo acadêmico. Ou se defende com fatos ou pode virar um Decotelli em sua breve passagem no Ministério da Educação.

No caso de Kassio Nunes Marques, para investigadores que convivem com ele, o currículo vitaminado ou não é o que menos importa. Vale mais sua atuação em uma década no TRF-1. Por essa avaliação, o desembargador sempre foi correto em suas sentenças, rigoroso contra a corrupção. O passado virou apenas uma referência.

O presente é o que importa.  Depois de cafés da manhã, almoços e jantares, Bolsonaro e todos caciques políticos dos mais variados naipes saíram encantados com a prosa com Kassio Nunes. Ele sempre dá uma brecha para decisões que podem contemplá-los. Também deixa outras opções no ar.

Nessa maratona com senadores, apesar de todas as pressões, a arte de Kassio Nunes é não se comprometer com nenhum jogo. Ele é bom nisso. E as circunstâncias ajudam. Foi dúbio, por exemplo, quando questionado sobre a possiblidade de prisão após condenação em segunda instância. Disse depender de cada caso. Faz de conta que discute teses quando seus interlocutores lutam em casos concretos. Ali ninguém dá ponto sem nó.

Mas Kassio mantém o jogo de não se comprometer. É evasivo sempre que pode. No fulcro da questão decisiva para a sua indicação para o STF — como lidar com a corrupção — tem dito o óbvio para uma legião a favor da impunidade. “Todos são a favor”. Se dizer contra a corrupção talvez seja a maior unanimidade nacional. A questão é que só vale para os outros. Corrupto é sempre o adversário.

E é aí que Kassio entra em lençóis incômodos. Nem é a questão de se enrolar com um mínimo de averiguação sobre seu currículo acadêmico. Seu real problema é a qual senhor vai servir. Se vai manter a conduta que o tornou respeitável como desembargador federal ou vai aceitar a pressão de padrinhos de sua indicação para o STF para desempatar o jogo a favor da impunidade para a turma do colarinho branco.

A conferir.

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