Como o desespero de Bolsonaro mantém a República em suspense

Na ilusão de barrar o avanço das investigações, que atormentam sua família, Bolsonaro insinua um golpe militar. Mas sabe do risco que, se tentar, pode perder a cadeira presidencial para Mourão

Foto Orlando Brito

Como as feras, toda vez em que se sente acuado, o clã Bolsonaro parte para o ataque. Essa suposta valentia não é prova de coragem. É medo. Investigações em Brasília, no Rio de Janeiro e em outros estados avançam nas apurações de variados crimes atribuídos à família Bolsonaro e a seus aliados. Quanto mais evoluem, mais pânico causam.

Desde o começo de seu mandato, Jair Bolsonaro vive atormentado por esses fantasmas. Quando o ministro Dias Tofolli, presidente do STF, em uma canetada, suspendeu as investigações contra o senador Flávio Bolsonaro, o presidente achou que poderia respirar. Virou arara quando soube que o então ministro Sérgio Moro ponderou a Toffoli que havia exagerado na dose, ao atender o pedido do senador Flávio, e suspender todas as investigações país afora baseadas em relatórios do COAF. Só não demitiu Moro porque ali lhe faltou coragem.

O PGR Augusto Aras – Foto Orlando Brito

Depois que o STF corrigiu essa bola fora de Toffoli, Bolsonaro voltou a ter surtos frequentes de nervosismo. Ele nunca conseguiu entender que, mesmo sendo presidente da República, não tem poder para blindar seus filhos e aliados de investigações autorizadas pela Justiça. Desde a Constituição de 1988, que redemocratizou o país, nenhuma blindagem funcionou para os poderosos que violaram as leis do país. Mesmo os que escaparam de punição, como o presidente Michel Temer, pagaram um preço alto. Não saíram impunes. A conta sempre chegou. Lula é um caso exemplar.

Após o Supremo liberar as investigações, a situação se deteriorou. De nada adiantou Bolsonaro escolher a dedo Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República, forçar a demissão de Sérgio Moro e emplacar um novo diretor-geral na Polícia Federal. Se esperava com essas mudanças uma blindagem contra as investigações que tanto o incomodavam, mais uma vez quebrou a cara.

Bolsonaro com admiradores na porta do Alvorada – Foto Orlando Brito

Não aprendeu que as instituições do Estado têm uma lógica própria de funcionamento, sobreviveram às tentativas em outros governos de aparelhá-las. A Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça cumprem seu papel. O problema é que, mesmo depois de todas essa mudanças, ele continua se sentindo acuado. E diariamente vocifera no cercadinho do Alvorada.

Sua opção é apelar para as Forças Armadas. Seu principal programa nos fins de semana, além das manifestações antidemocráticas, é visitar quartéis do Exército e até da PM nas proximidades de Brasília. Mesmo depois do recado de generais da ativa, que efetivamente comandam as tropas, de que não bancam nenhuma aventura militar, manteve as mesmas ameaças. Diz, agora, que não vai ser o “primeiro a chutar o pau da barraca”, na narrativa de que os outros poderes, especialmente o STF, não o deixam governar.

Ao mesmo tempo em que faz o discurso de vítima, não pode passar pelo cercadinho de seus apoiadores na porta do Alvorada para subir o tom e fazer ameaças, veladas ou não, às instituições democráticas. Mantém assim mobilizados seus fanáticos seguidores, que parecem em contagem regressiva para um golpe militar, e deixa o país em suspense. “É igual a uma emboscada”, disse à noite. Pela manhã, foi mais explícito.”Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser colocado no lugar”.

Ministro Alexandre de Moraes – Foto Orlando Brito

A democracia resolveu dar um basta nisso. Nessa quarta-feira, esse constante tom de chantagem tomou um didático chega para lá na votação no STF sobre a legalidade do polêmico inquérito sobre as fake news, tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.  O voto de cada ministro foi um libelo em defesa da democracia nesse placar parcial de 8 a 0. Só os maluquetes bolsonaristas apostam no eventual sucesso de alguma tentativa de virar a mesa no jogo democrático. Bolsonaro até que gostaria, mas sabe do risco que corre. O custo mais provável de uma aventura golpista seria perder a cadeira presidencial para o vice Hamilton Mourão.

O mais provável, portanto, é que ele continue nessa retórica de morde e assopra, para alimentar sua militância, e, na prática, continue abrindo espaço no governo para o Centrão, sua principal aposta contra seu impeachment, e fazendo acenos nos bastidores ao Supremo, como a demissão de Abraham Weintraub do Ministério da Educação.

A conferir.

Deixe seu comentário