Uma fotografia em preto e branco tirada por um autor desconhecido em 12 de maio de 1957, no Norte da Itália, em que uma atriz e um motociclista em competição se beijaram antes de um acidente fatal, virou uma máxima para as mais variadas situações. O Centrão tem um histórico de dar o beijo da morte em governos depois de sugá-los e de descartá-los em busca de oportunidades mais atraentes de faturamento. Isso até virou clássico quando a turma sentiu o fim do maná nos governos Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Como todo bom predador do dinheiro público, depois de virar alvo negativo na campanha presidencial de Jair Bolsonaro, o Centrão sentiu um cheirinho conhecido de carniça quando, antes mesmo de Bolsonaro assumir, pipocou o escândalo das rachadinhas envolvendo o primogênito Flávio, recém-eleito senador, e o parceiro Fabrício Queiroz. Na transição do governo, Bolsonaro dizia que não queria papo com a turma do Centrão. Chegou a se recusar a conversar com Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto, caciques do PP e do PL, com amplas folhas corridas por denúncias de corrupção.
Quem acompanha de perto o jogo político em Brasília fez continhas elementares e concluiu que o blefe de Bolsonaro era de curta duração. Foi o que ocorreu. Ele seguiu falando grosso para seus militantes, os militares de todas as instâncias e o público em geral e cada vez mais fino para o Centrão e adjacências. Teve que entrar em um jogo em que sempre foi amador.
Para se preservar e a seu enrolado clã, deu um tiro no pé ao forçar a demissão do ministro Sérgio Moro, que havia anunciado como fiador da correção de seu governo, e responsável pela avaliação da conduta ética de seus ministros e também de sua família. Uma cascata que derrapou na primeira curva de seu governo. A partir daí foi um dominó em queda lenta. Os ministros discípulos do decadente guru Olavo de Carvalho foram caindo em sequência — o que ainda falta é a apuração e punição dos enormes danos que Abraham Weintraub, Ricardo Salles, Ernesto Araújo, entre outros, causaram ao país.
Tem aí um escândalo com começo meio e fim escancarado. Raras investigações parlamentares superaram as barreiras políticas e produziram resultados históricos. São três ou, com boa vontade, quatro ao longo de décadas. Muitas outras tiveram potencial para isso, mas foram abatidas em pleno voo. A mística do poder das CPIs, muitas vezes usadas como instrumento de chantagem, havia ido pro sal.
Aos trancos e barrancos, a CPI da Pandemia resgatou o valor histórico de uma boa investigação parlamentar. Criou oportunidades. Talvez a mais eficaz é passar a limpo a troca de ofertas de boas vacinas por negociatas com estelionatários. A mais dura é a comprovação de que, sem o negacionismo de Bolsonaro, dezenas, talvez até centenas de milhares de mortes, poderiam ter sido evitadas.
Isso é crime. Se tipificado como genocídio ou não é questão jurídica. O próprio Bolsonaro sabe que cometeu um crime. O que parecia fazer antes no seu jogo de aparentes pressões e verdadeiras concessões nas relações com outros poderes até aqui foi mal interpretado como defesa do seu clã. Bolsonaro tenta salvar a própria pele.
Com a nomeação do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil, o pulmão do governo, ele entregou as rédeas do fim de seu de governo. O Centrão é uma aglomeração de políticos com interesse comum em transferir recursos federais para suas bases eleitorais e seus próprios negócios. Se bem remunerados, como no governo Michel Temer, seus caciques podem barrar um processo de impeachment. Mas o compromisso dessa galera chega até aí.
Se Bolsonaro acha que a nomeação de Ciro Nogueira para a Casa Civil assegura legenda e apoio para sua candidatura presidencial ano que vem pode quebrar a cara. Ciro Nogueira faz parte de uma estirpe que conduz o caixão até a hora do enterro. Não vai junto para a cova.
A conferir.