Cabresto no Ministério Público carimba passaporte da impunidade

Na prática, é uma contrafação da palavra de ordem dos bolsonaristas que pregam intervenção militar na Justiça. Mudam os interventores. Passam a ser os políticos.

Sede do Ministério Público - Foto Orlando Brito

Os políticos governistas e de oposição que dão as cartas em Brasília imaginam que, num passe de mágica, podem se tornar impunes às investigações e condenações por malfeitos como corrupção, desvio de dinheiro público, nepotismo, entre outras mazelas.

Não satisfeitos com a reconquista do julgamento em quatro instâncias, uma jabuticaba nas democracias mundo afora, querem agora uma quinta instância, fora inclusive do próprio controle judicial. Apostam numa fórmula simples e rasteira para driblar a Constituição de 1988, que atribuiu ao Ministério Público poder de fiscalização em todas as áreas em que há interesse social, entre outros, respeito à cidadania, meio-ambiente, diversidade e aplicação do dinheiro público.

Evidente que promotores e procuradores não receberam um cheque em branco para se transformarem em déspotas da República. Sempre estiveram submetidos a algum tipo de controle, às vezes frouxo, outras vezes exagerado, da Justiça, que também pouco puniu seus próprios membros. Em todas instâncias, sempre houve juízes e promotores corruptos,  e até corretores de sentenças que vendem canetadas em diversas esferas judiciais.

O juiz Nicolau

Como isso vem de longe, sempre ocorreram polêmicas sobre as caixas-pretas no Judiciário. Em 1999, o então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães criou a CPI do Judiciário, que fez muito barulho, prometeu pegar tubarões, mas se contentou com apenas um escândalo, o milionário desvio de dinheiro público na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Fisgou o corrupto juiz trabalhista Nicolau Santos Neto, o Lalau, o que também resultou na cassação do mandato e na prisão do senador Luiz Estevão, que hoje  segue a vida como um dos maiores empresários de Brasília.

Márcio Thomaz Bastos – Foto Orlando Brito

Alguns anos depois, em uma parceira entre o presidente do STF, Nelson Jobim, e o ministro da Justiça, Márcio Thomáz Bastos, uma proposta de reforma do Judiciário que se arrastava há 12 anos no Congresso foi aprovada com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) como órgãos de controle externo sobre a conduta de juízes e procuradores, sem interferência em suas prerrogativas de investigar e julgar.

O ex-ministro Sérgio Moro – Foto Orlando Brito

Depois que o Mensalão abriu a porteira e a Lava Jato escancarou os podres das elites políticas, econômicas e burocráticas no Brasil e em outros países, os principais caciques partidários se uniram para brecar e reverter o processo. Tiveram sucesso. Mesmo quem surfou na onda contra a corrupção, quando flagrado por malfeitos, caso de Jair Bolsonaro e seu clã, aderiu ao acordão que há tempos vinha sendo costurado pelos políticos. Assim, rifaram o ex-juiz Sérgio Moro.

A decisão do STF que revogou a possibilidade de cumprimento de pena após a condenação em segunda instância foi interpretada como uma anistia no universo político. Depois que aplicada ao ex-presidente Lula e a uma penca de políticos, cresceu a sanha de vingança de acusados, processados e condenados por corrupção de todos os naipes.

Essa grande turma está em paz com o STF. Não quer, por enquanto, briga com o CNJ. Também está satisfeita com a atuação do procurador-geral da República, Augusto Aras, que implodiu a Lava Jato e outras forças tarefa contra a corrupção política. Mas não quer correr risco de punições por crimes pretéritos, presentes ou futuros. Bolaram uma solução esdrúxula para matar o mal pela raiz.

Deputado Arthur Lira , presidente da Câmara – Foto Orlando Brito

A Proposta de Emenda Constitucional com o endosso de petistas, bolsonaristas, tucanos e outras aves desse estranho ninho, que o presidente da Câmara, Arthur Lira, tenta empurrar goela abaixo do ministério público e da sociedade brasileira é um golpe descarado. Muda a composição do Conselho Nacional do Ministério Público com a ampliação de dois para cinco os indicados pelos parlamentares, atribui ao Congresso a aprovação de um dos seus indicados como corregedor-geral do MP, e atropela a Constituição dando poderes ao conselho para interferir na autonomia funcional de procuradores.

Manifestante pede respeito à Carta de 88 – Foto Orlando Brito

Se essa PEC for aprovada, o que foi criado como um controle externo do ministério público — na época até criticado pela falta de participação mais efetiva da sociedade civil –, vira uma autarquia a serviço dos donos do Congresso. Vai para o sal a independência do Ministério Público e abre a porteira para que ponham o mesmo cabresto na Justiça.

Seria a aplicação da palavra de ordem dos bolsonaristas que pregam intervenção militar na Justiça. Mudam apenas os interventores. Passam a ser os políticos. Só pode ser mais um jabuti.

A conferir.

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