Bolsonaro chama o ladrão

Trocar o comando da PF e tirar Moro da parada é até um agrado ao Centrão. Mas a verdadeira ilusão com a demissão de Valeixo é, na cara dura, criar uma rede de proteção aos malfeitos do clã Bolsonaro

Bolsonaro com o filho Eduardo na portaria do Alvorada - Foto Orlando Brito

O flerte com o Centrão não é mais que um pretexto. O medo da polícia nos frágeis calcanhares do clã Bolsonaro é a verdadeira causa desse desespero desvairado. O receio de investigações conduzidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre fake news e financiamento a manifestações contra a democracia, e o sinal verde do Superior Tribunal de Justiça para as apurações sobre o envolvimento do primogênito Flávio Bolsonaro com rachadinhas e milícias acenderam as luzes de emergência no Palácio da Alvorada.

O delegado Valeixo

Como foi praxe em outros governos, desde que o país passou a enxergar o que estava embaixo do tapete, os poderosos de plantão se voltam contra os investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público. Nessa quinta-feira (23), Jair Bolsonaro resolveu de novo demitir o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o discreto e eficiente homem de confiança do ministro Sérgio Moro (publicada no Diário Oficial da União que circula nessa sexta-feira). Por qual motivo? Bolsonaro até agora não teve coragem de por a cara para justificar a necessidade dessa troca no comando da Polícia Federal.

Bolsonaro e Moro no Planalto – Foto Orlando Brito

É justamente isso que Sérgio Moro não topa engolir. Se fosse por antipatia, os santos não batem, Moro tem uma penca de alternativas com o apoio do próprio Valeixo. O delegado federal Fabiano Bordignon, atual diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), é uma delas. Mas, na ótica do clã Bolsonaro, seria trocar seis por meia dúzia. Eles querem proteção e apostam em alguns delegados que poderiam mudar os rumos das investigações na Polícia Federal.

O sonho de consumo da família é o delegado Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Conheci Anderson Torres quando ele era chefe de gabinete do então deputado Fernando Francischini, também delegado federal. Fui ouvi-lo sobre a denúncia do Ministério Público de que ele, nos tempos da ativa na Federal, participou de tortura a um rapaz depois inocentado pelas investigações. Ele negou. A reportagem está nos arquivos da revista Época. Anos depois a Justiça absolveu o delegado por falta de provas.

Sérgio Moro já disse que não há a menor hipótese de trabalhar com Anderson Torres. Seu padrinho político, o governador Ibaneis Rocha, tenta aumentar o cacife do pupilo. Diz que ele é de sua total confiança e, em entrevista ao Estadão, blefou em uma aposta sem limite. Disse ainda que tinha dúvidas em liberar seu secretário para chefiar a Polícia Federal, porque por seu gabarito ele “é 100 vezes melhor que Moro” para comandar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública.  “O presidente tem que exonerar essa turma. Tem que usar uma Montblanc, e não uma BIC. Nomeado cumpre ordem. Cadê o Moro? Ele sumiu, ficou escondido, esperando a crise para aparecer como herói”.

Soou como galhofa em áreas menos tacanhas do governo.

Alexandre Ramagem – Foto Agência Senado

A carta que Bolsonaro realmente aposta é o delegado Alexandre Ramagem, atual diretor da Abin, que se aproximou da família quando chefiou a segurança do então candidato na campanha presidencial. Não se sabe os motivos, mas Ramagem na chefia da Polícia Federal poderia acalmar a família Bolsonaro.

Até ontem à noite, nas conversas com bombeiros e emissários palacianos, Sérgio Moro batia pé na exigência de que só permaneceria no governo com alguém da sua confiança no comando da Polícia Federal. Se atendido, não resolve o problema do clã Bolsonaro. Eles parecem acuados como o personagem do belo samba de Chico Buarque,  Acorda Amor.

Acorda amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame lá
Chame, chame o ladrão, chame o ladrão.
A conferir.
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