A cada revelação do inquérito sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a tarefa imposta ao governo federal de defesa do presidente da República e de sua família fica ainda mais pesada. A reação de todo o clã ainda agrava esse problema. Cresce o constrangimento quando o presidente Jair Bolsonaro não tem explicação alguma para os novos depósitos pelo hoje famoso Fabrício Queiroz nas contas de sua mulher, Michelle Bolsonaro. Ou quando o senador Flávio Bolsonaro afirma, em depoimento à Justiça, que não sabia que o Queiroz – então um faz tudo em seu gabinete na Assembleia Legislativa — depositou grana na conta de sua mulher, Fernanda Bolsonaro.
Entre a mudez do pai presidente e a verdadeira confissão do seu primogênito senador, pipocam dúvidas sobre uma profusão de arrecadações e depósitos sob a batuta de Queiroz. Além das rachadinhas, amplamente apuradas, seguem as dúvidas sobre as ligações com as milícias que, aos poucos, Flávio Bolsonaro também tenta justificar. Diz agora que o capitão miliciano Adriano Nóbrega foi seus instrutor de tiro, por sugestão do Queiroz. Alega que por causa dessa relação no estande de tiro resolveu contratar para seu gabinete na Assembleia a mãe e a mulher de Adriano — acusado de na época chefiar nada menos que o Escritório do Crime, nome de uma milícia de pistoleiros e matadores de elite no Rio de Janeiro e um dos principais alvos de investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Tudo isso continua nas brumas. Se as falas de Flávio e os silêncios de Jair são complicadores desse passado mal explicado, o Palácio do Planalto busca desviar a atenção de outra grande falha do presidente da República no presente, o menosprezo com a epidemia do novo coronavírus. Por mais que pareça ridículo, um levantamento palaciano tenta atribuir a governadores e prefeitos o tamanho desse estrago em casos e mortes. É mais que um faz de conta.
Ao mesmo tempo que rasga a fantasia na relação explícita com o Centrão, que virou o grande zagueiro de sua defesa, Jair Bolsonaro segue imitando seu ídolo Donald Trump que, no desespero por uma reeleição difícil nos Estados Unidos, aposta cada vez mais em qualquer cascata que possa embromar seu eleitorado. É um festival de mentiras lá e cá. Só crescem a cada adversidade.
Lá, as mais recentes pesquisas eleitorais indicam derrota de Trump tanto no voto geral quanto nos estados que definem a maioria no colégio eleitoral. O que se espera ma reta final da campanha é um grau de mentiras de Trump sem precedentes em outras eleições americanas. O jogo lá é de desespero.
Aqui, o discípulo Bolsonaro vive um momento diferente. Forçado pelo Congresso a ampliar o auxílio emergencial na pandemia do novo coronavírus, surfa agora em seu sucesso em regiões onde antes era rejeitado. Encontrou a mesma fórmula antes usada por Lula e o PT ao descobrirem, pelas mãos da equipe do marqueteiro João Santana, a magia que manteve por décadas e décadas o poder dos velhos coronéis nas áreas mais pobres do país.
Um dos subprodutos daquele sucesso de Lula foi conseguir o apoio dos novos coronéis reunidos no Centrão. Bolsonaro, cujo discurso de campanha contra a corrupção e a velha política já haviam ido para o beleléu, aposta nessa herança sua sobrevivência política. Gostou tanto que quer criar, a exemplo de Lula com o Bolsa Família, um programa social com marca própria, o Renda Brasil. Um tantinho a mais do que o do Lula que foi um tantinho a mais do Bolsa Escola do Fernando Henrique Cardoso.
Difícil dar certo essa aposta com tantas brechas soltas na defesa de conseguir se livrar de escândalos para os quais não tem resposta e ainda conseguir sucesso nas urnas.
Mas vale conferir.