Por mais que tenha se contido no pronunciamento, perante um conjunto de ministros constrangidos, ao tentar justificar suas intensas pressões sobre Moro e a Polícia Federal, mesmo sob embalagens de súplicas, lealdade e interesse nacional, Bolsonaro confessou uma penca de crimes graves. Ele quis, sim, interferir nas investigações da Polícia Federal que ameaçavam sua família. São mais de oito meses desse mesmo jogo presidencial.
Ao delimitar entre agosto e setembro do ano passado que seu limite seria a intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal, Sérgio Moro conseguiu reverter a demissão do delegado Maurício Valeixo mesmo depois de anunciada pelo presidente. Teve que engolir sapos. Ser criticado por não ter ali chutado o pau da barraca e pedido demissão. Fez um jogo de resistência, coerente com seu propósito de entrar no governo para preservar e até ampliar a bem-sucedida Operação Lava Jato.
Durante todo esse período, Bolsonaro se sentiu traído por não ter a cobertura de Moro e da Polícia Federal para barrar as investigações dos vários malfeitos do seu clã, descobertos a partir da investigação no gabinete do primogênito Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Atormentado pelo avanço das investigações sobre a Rachadinhas e as milícias no Rio, sem saber ao certo o que já havia sido descoberto pelos investigadores, Bolsonaro aumento a pressão. E Moro resistiu.
No entorno de Sérgio Moro o que se diz é que ele tem provas desse assédio. Ontem, depois da confusa tentativa de Bolsonaro de se defender com um ataque mambembe, Moro divulgou pelo Jornal Nacional dois diálogos pelo WhatsApp que sustentavam sua versão. Um deles em que Bolsonaro insistia na queda de Valeixo por causa da notícia de investigação sobre alguns deputados seus aliados, Moro respondeu que todas as ações da PF cumpriam ordens do ministro do STF Alexandre de Moraes. Em outro, ele rechaça a proposta de uma deputada, Carla Zambelli PSL-SP), da copa e cozinha do Planalto, que tentou demovê-lo com o aceno da sua indicação para o STF, em troca dele aceitar a mudança pretendida por Bolsonaro na Polícia Federal. Uma proposta indecente.
O estrago que Moro começou a causar para não virar capacho de Bolsonaro já estremeceu as redes sociais que apoiavam o presidente, excluídos evidentemente os robôs que multiplicam as campanhas do chamado gabinete do ódio, que estão, aliás, na mira das investigações no Supremo Tribunal Federal. Eles estão sendo monitorados pelos federais.
Excentricidades à parte, o fato é que as acusações de Moro, por consistência e credibilidade, deixaram o bolsonarismo sem discurso algum. Bolsonaro pegou carona nas investigações do Mensalão e da Lava Jato, que desnudaram a corrupção nos governos petistas e de outros partidos, para construir uma narrativa de combate à corrupção.