Não é a primeira vez. A dinâmica funciona mais ou menos assim: Jair Bolsonaro ameaça demitir Maurício Valeixo, ou recriar o Ministério da Segurança, ou outra coisa qualquer. Sérgio Moro ameaça pedir demissão, vaza para a imprensa, todo mundo reage e o presidente recua. Tudo volta a seu precário equilíbrio. Dessa vez, porém, há ingredientes novos. Moro está mais desgastado com o chefe, que nos bastidores o acusou de “egoísmo” por não defendê-lo, e há poucos dias formava ao lado do então ministro Luiz Henrique Mandetta em sua política de isolamento. Mais do que isso, observadores das futricas palacianas dão conta de que Bolsonaro, depois de demitir Mandetta, anda com a caneta tinindo.
A razão para não demitir o ministro da Saúde em meio à pandemia era parecida com a que levou o presidente a segurar ações que pudessem levar à demissão de Moro até hoje: a aprovação popular do subordinado, e o consequente desgaste que a demissão poderia acarretar ao chefe. Bolsonaro ignorou os alertas, foi lá e fez. As consequências serão sentidas, mas, na psicologia bolsonariana, funcionou como um reforço de comportamento. Se tirou Mandetta e sobreviveu, por que não Moro?
Suas razões para demitir Valeixo não foram explicitadas, mas passam obviamente pela intenção de controlar a PF – e não só em investigações que podem atingir o senador Flávio Bolsonaro, mas sobretudo naquelas que apuram as ações da milícia digital bolsonarista e, agora, as que vão ter como alvo as manifestações a favor da intervenção militar e da volta do AI-5.
Se a demissão do ministro da Justiça se concretizar – o que ainda é duvidoso – , marcará o fim do governo eleito em 2018 sob o discurso do combate à corrupção, corporificado na nomeação do juiz da Lava Jato para a Justiça, e da agenda liberal de Paulo Guedes, que começa a ser substituída agora pelos planos mais desenvolvimentistas da ala militar do Planalto. Se Moro sair, Guedes pode ser o próximo, e terão caído os dois pilares da primeira fase do governo, seus “superministros”. Começa um novo governo, com os militares desenvolvimentistas e o Centrão, que abriga diversos dos investigados de Moro.
Aliás, não custa lembrar um pouco da história, e ela mostra que os presidentes eleitos como salvadores da pátria, na onda do discurso anticorrupção, costumam se dar mal: Jânio Quadros renunciou, Fernando Collor foi afastado pelo impeachment. O que será de Bolsonaro ainda não sabemos, mas não vai por um caminho seguro…