Começo a escrever este texto sob forte emoção após assistir ao filme Argentina 1985. Já tinha ouvido falar muito bem dele, já tinha lido comentários, mas nada me preparou para o que vi.
O cinema argentino já nos presenteou com várias pérolas. E boa parte delas tem a participação luxuosa de Ricardo Darín, aquele tipo de ator que confere uma espécie de selo de qualidade a qualquer produção. O segredo de seus olhos, Um conto chinês, Relatos selvagens, O que os homens falam, são alguns das dezenas de filmes estrelados por ele.
Para completar sua vasta e bem conceituada filmografia, Darín é o personagem principal de Argentina 1985, produção de 2022. Baseado em fatos reais, ele interpreta o promotor Júlio Strassera, responsável pela acusação no julgamento da Junta Militar que governou a Argentina durante a ditadura que por lá durou sete anos.
O roteiro é primoroso, apesar do tema árduo, a história flui bem naturalmente. É o tipo de filme que não se arrasta, quando mal percebemos já está chegando ao fim.
Terminei de assistir com lágrimas escorrendo de meus olhos. Como não associar ao momento político do Brasil?
Esse julgamento é considerado um dos mais importantes não só da história argentina, mas da humanidade, ao lado dos julgamentos de Nurembergue. Foi a primeira vez na história que um tribunal civil condenou uma ditadura militar.
A ditadura militar argentina matou mais de 30.000 pessoas, muitas delas são dadas como desaparecidas, pois jamais se teve notícias de seu paradeiro ou foram encontrados os corpos.
No filme há quem justifique a atuação dos militares como defensores da ordem contra os guerrilheiros que, segundo alguns, também sequestravam e matavam. Mas o argumento cai por terra quando é demonstrado que a proporção é absurda e injustificável. Além disso, os militares representavam o Estado e, como tal, não poderiam agir como criminosos, sequestrando, torturando cruelmente e matando quem se opusesse ao regime. As vítimas, muitas inocentes, que sequer participavam de qualquer movimento “subversivo”, não tinham direito a julgamento ou defesa.
Na sentença condenatória o promotor Strassera argumenta: “Sadismo não é uma ideologia política, nem uma estratégia bélica, mas uma perversidade moral”.
A Argentina, ao contrário do Brasil, puniu a cúpula militar responsável por diversos crimes durante a ditadura. O julgamento, como mostra o filme, trouxe à tona o sofrimento de muitas pessoas, vítimas e parentes de vítimas.
No meio da sentença, o promotor fala da importância de “buscar estabelecer uma paz baseada não no esquecimento, mas na memória, não na violência, mas na justiça”.
Ele termina com a frase, que alega não pertencer a ele, mas ao povo argentino: “Senhor juiz, nunca mais!”.
Enquanto isso, por aqui, milhões de pessoas votaram num homem claramente defensor do sadismo autoritário, da tortura e da morte dos oponentes. Ele disse várias vezes que o maior erro da ditadura brasileira foi não ter matado mais pessoas.
E outros tantos se revezam num regabofe na frente dos quartéis, bancado por empresários que não aceitam o resultado das urnas, pedindo a volta da ditadura militar, ironicamente, em nome da liberdade.
Assistam Argentina 1985, exibido no Amazon Prime.
Tomara que as pessoas por aqui, tal qual o povo argentino, também possam concluir: “Nunca mais”.