Parece piada pronta e de mau gosto. Jair Bolsonaro e comitiva desembarcaram em Nova York para a abertura da conferência anual da ONU dispostos a peitarem a ciência e o mundo para agradar o nicho cada vez menor de apoio que ainda detêm no Brasil. Nessa toada, ele fez questão de alardear que ainda não se vacinou, liderou um rolê de sem máscaras pela cidade e achou o máximo comer pizza na rua por não atender as regras sanitárias e poder degustá-la no restaurante. Repetiu a cena em um puxadinho na churrascaria brasileira Fogo de Chão. Serviram como um prelúdio para o discurso com que tradicionalmente o presidente do Brasil abre a Assembleia Geral da ONU.
O discurso seguiu à risca o script do clã Bolsonaro. Mais do que a mentirosa descrição da realidade do país, o objetivo era confrontar a opção pela ciência da Organização Mundial da Saúde e de todos os governos relevantes mundo afora. Tudo isso com o propósito de manter a aposta no mesmo discurso obscurantista que permeia aqui toda a pandemia, também fonte de lucrativos negócios com as mais diversas e perversas maracutaias na Saúde. É isso que está em jogo.
Menos que se negar a dar satisfação a governos e à opinião pública do mundo inteiro pelos mais variados crimes contra a saúde e os cofres públicos, o clã Bolsonaro apostou suas fichas numa narrativa para mobilizar suas tropas na reta final da CPI da Covid no Senado que promete expor as negociatas por trás de todo esse descalabro. É uma espécie de antídoto contra o relatório do senador Renan Calheiros.
O que o mundo viu como fiasco soou com vitória nas hostes bolsonaristas. Nos enredos paralelos que alimentam suas redes sociais, não é difícil convencer os crentes de que a indignação e a chacota internacionais são cortinas de fumaça da imprensa e dos multilateralistas para encobrir o brilhante e desafiador desempenho de Bolsonaro na ONU. Por mais tortuosa que pareça, é essa a ‘lógica’ que alimenta essa turma.
O desespero do presidente Bolsonaro com o avanço da apurações de corrupção que em várias frentes atinge seu clã contagiou boa parte de seus auxiliares. Os políticos profissionais do Centrão, como Ciro Nogueira e Arthur Lira, gingam daqui pra ali, mas não metem a mão na cumbuca. Deixam isso para outros assessores como o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, que posou de galinho de briga em seu depoimento à CPI nessa quarta-feira (21). Se deu mal. Não se livrou das suspeitas, passou de testemunha a investigado, e teve que pedir desculpas por sua grosseria machista contra a senadora Simone Tebet.
Mas quem pagou o maior vexame foi o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Depois de anos de bajulação a políticos, ele chegou ao governo com o horizonte de que o cargo abrilhantaria sua biografia. Tomou gosto. Sonha agora em ser candidato a senador pela Paraíba ou até pelo Rio de Janeiro.
Embarcou na comitiva presidencial para Nova York com o suposto papel de dar aval médico ao enfrentamento da pandemia pelo governo Bolsonaro. Deu ruim. Teve que comer pizza na rua, assistir a seu chefe falar besteira sobre o combate a pandemia, perdeu a linha e fez gestos obscenos para manifestantes que protestavam contra Bolsonaro, e perdeu a carona de volta a Brasília. Mesmo tendo sido vacinado, testou positivo para covid. Acabou carimbando o passaporte da morte apresentado por Bolsonaro na ONU.
Menos mal que vai ter que cumprir a quarentena de 14 dias em um hotel de luxo em Nova York. Às custas, claro, do contribuinte brasileiro. Outro lado que lhe parecia bom – escapar de ser o último depoente da CPI da Pandemia — durou pouco. Na noite da quarta-feira, a CPI resolveu adiar o encerramento dos trabalhos para não abrir mão de ouvi-lo em um grande epílogo.
A conferir.