O público que lotava o Estádio de Helsinque, nos Jogos de 1952, aplaudia calorosamente um pretinho magrelo, gentil e sorridente. Brasileiro. Seu nome era Adhemar Ferreira da Silva. Ele acabava de receber a Medalha de Ouro do Salto Triplo, depois de quebrar o recorde da modalidade quatro vezes naquela mesma tarde. Em agradecimento às palmas, ele correu em torno do gramado acenando para as arquibancadas.
Estava inaugurado um novo costume: a volta olímpica. Mais que isso, o atletismo do Brasil chegava pela primeira vez ao topo do pódio. Depois disso, atletas vencedores em todos os Jogos passaram a repetir o gesto de Adhemar Ferreira da Silva.
Adhemar repetiu o feito quatro anos depois, em Melbourne. Foi novamente Medalha de Ouro. Não pode competir em Roma-60 porque contraiu uma tuberculose que lhe tirou a chance de uma terceira medalha dourada. Encerrou a carreira de atleta e se dedicou aos estudos. Fez quatro cursos na faculdade, aprendeu cinco idiomas. Foi adido cultural do Brasil na Nigéria, trabalhou como ator nos filmes “Orfeu da Conceição” e “Orfeu Negro”.
O campeão Adhemar Ferreira da Silva recebeu do São Paulo Futebol Clube uma invejável homenagem, aquelas duas estrelas douradas sobre o escudo das camisas. O modesto filho de um ferroviário e uma cozinheira, que só pisou numa pista de atletismo quando tinha 18 anos, que fazia do horário de almoço a única oportunidade para treinar, foi o primeiro atleta a dar ao Brasil, por duas vezes, o Ouro Olímpico. Adhemar morava no bairro da Casa Verde e morreu em 2001, aos 70 anos, de ataque cardíaco.
Certa vez, fui fotografar Adhemar. E ele fez questão de duas coisas: posar com as sapatilhas com que venceu em Melbourne e contar uma história: em 1953, já ouro-medalhista, era funcionário da prefeitura de São Paulo. Teve de ausentar-se por trinta dias. Foi ao Chile para uma competição importante. Ao voltar da viagem, verificou que estavam descontados do salário os dias em que esteve ausente. Jânio Quadros disse que a repartição não era lugar de vagabundos. Ademar não reclamou. Ao contrário, garantiu que era agradecido ao prefeito, pois foi pulando os buracos da cidade que ele reuniu forças para dar ao Brasil medalhas de ouro.
Na parede da sala, além dos troféus que ganhou em várias competições ao longo da vida, um retrato da filha Adyel, cantora de MPB, e vários diplomas de formatura. Era doutor em Relações Públicas, Educação Física, Direito e Comunicação Social. Se eu estava em busca de brasileiros notáveis para meu livro “Senhoras e Senhores”, então estava diante do personagem certo.
Orlando Brito