Teoria da ferradura x Voto proporcional

Os opostos se atraem. Aprovar o voto distrital é medida saneadora à política brasiliana, como defende o autor

A Teoria da Ferradura é atribuída ao filósofo francês Jean-Pierre Faye (1925-). Essa interessante análise do tabuleiro político sustenta a hipótese de que a extrema-direita e a extrema-esquerda não são as duas extremidades de um espectro político linear e contínuo, mas se aproximam e se assemelham.

É como se formassem as duas extremidades de uma ferradura – daí o nome da teoria. Aplicada esta teoria no espectro ideológico de nosso sistema partidário, é um exercício de mera adivinhação, como se fôssemos cartomantes traçando o perfil ideológico e moral dos nossos homens públicos. Depois que desisti da vida parlamentar, meus olhos viram e meus ouvidos escutaram quando:

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva – Foto: Orlando Brito

“Em 27 de setembro de 1994, o Lula estava em sua segunda campanha presidencial. Já na reta final, as pesquisas eleitorais não lhe eram favoráveis e punham FHC à frente. Entrevistado pela CBN, Lula lançou seu ataque preventivo. Exatamente como o capitão faria 25 anos mais tarde, denunciou fraude futura. Desdenhou: “Desviar dois ou três milhões de votos neste país é mais fácil que tirar pirulito de criança… A explicação está no fato de todo líder extremista ser um autocrata no fundo da alma (a mais pura deste mundo?) ou na crença no super-homem ungido pelo Altíssimo (?), é comum aos extremos do espectro político. Na ponta da ferradura, esquerda e direita se encontram e mostram que não passam de duas faces de uma mesma moeda, que se alimentam embebidas de autoritarismo, de truculência, de arrogância”.

É o individualismo e personalismo mítico que infelizmente ainda parece predominar na política brasileira.

Basta ver num breve histórico da inexistência entre nós de verdadeiros partidos políticos. Aparentemente existia no Império um bipartidarismo entre Conservador (1836) e liberal (1837). Os conservadores eram conhecidos como os saquaremas que defendiam um regime forte concentrado na mão do Imperador, e os Liberais se intitulavam os luzias querendo mais autonomia para o parlamento e os governos estaduais.

Manuel Artur de Holanda Cavalcanti de Albuquerque, Barão de Albuquerque – Foto: Domínio público

O escasso conflito ideológico no Império devia-se a que tanto conservadores como liberais pertenciam à mesma classe social, a dos proprietários, de bens e de escravos, até porque apenas quem tivesse renda podia votar. Mas das ruas ecoava o dito do Barão de Albuquerque, senador Manuel Artur de Holanda que dissera: “Nada mais parecido com um Saquarema do que um Luzia no poder”.

Na República esboçou-se um tímido pluripartidarismo entre Republicano, Partido Comunista do Brasil (1922), Democrático (1926), de Antônio Prado em São Paulo, e Libertador (1928), com Assis Brasil no Rio Grande do Sul. Passando pela era Vargas apareceram pela esquerda a Aliança Libertadora Nacional de Luiz Carlos Prestes, e sua lendária coluna pelo interior do território, e Ação Integralista Brasileira, de Plínio Salgado, inspirada no fascismo italiano de Mussolini e na Falange Espanhola de Franco, que foram extintos com o Golpe de Estado de 1937, desfechado por Getúlio Vargas. Vindo na sequência do pós-guerra, a UDN (União Democrática Nacional), que congregava o antigetulismo e o PSD (Partido Social Democrático), que reunia as alas mais conservadoras do getulismo, quando elegeu, em 1945, o general Eurico Gaspar Dutra e, em 1955, o médico mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira. O PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), fomentado por Vargas para defender a classe trabalhadora, além do PSP (Partido Social Progressista), criado por Ademar de Barros. Em 1950, Getúlio Vargas elegeu-se presidente ganhando de Ademar de Barros, mas João Café Filho, do PSP, foi o vice eleito e tornou-se o 18º Presidente após o suicídio de Vargas em 24/08/1954.

Militante sendo perseguido pela repressão da ditadura militar, inaugurada com um golpe em 1964 – Foto: Flickr

Tais siglas foram extintas no Regime Militar de 64, voltando ao artificialismo forçado do consentido bipartidarismo de ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro) para aparentar perante o exterior de sermos uma democracia.

A redemocratização, mais uma vez pela insistente Constituinte Parlamentar, novamente não conseguiu criar um mecanismo onde surgissem partidos políticos autênticos, reponsabilidade e efetivos deveres dos governantes, mas um disforme e tresloucado multipartidarismo que ninguém segura.

José Maria Eymael, folclórico presidente da Democracia Cristã brasiliana e candidato vitalício à Presidência da República

De sã consciência ninguém se atreve a classificar estes cartórios eleitorais como partidos ideológicos, até porque o chamado CENTRÃO, que se instalou na Constituinte e que transita com os conhecidos donos de partidos, como José Maria Eymael (constituinte de 1988) que já foi 5 vezes candidato a Presidente (1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e, nesta, repetirá seu recorde de sêxtupla vez. Temos, então, na situação ou oposição, a turma do Centrão, exímia no manuseio dos imorais Fundos Eleitoral e Partidário dos bilhões de reais, o que levaria o Visconde de Albuquerque – se vivo ainda o fosse – novamente sentenciar: “Nada mais parecido com um esquerdista do que um direitista do centrão no poder”.

Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, e Lula, ex-presidente da República, agora candidatos a vice e presidente do Brasil – Foto: Ricardo Stuckert

Será mera semelhança ou incrível coincidência que a candidatura LULA-ALcKMIN seja a comprovação da teoria da ferradura? Ou uma verdadeira realidade que as mentes lúcidas deste país ainda não se aperceberam que é exatamente a falta de verdadeiros partidos políticos que nos leva a buscar o individualismo paternalista dos salvadores da pátria, como mais uma vez parece se delinear a reta final desta eleição. Ninguém prevê o futuro, mas já disse aqui n’Os Divergentes que nesta mesma eleição poderá acontecer o GRANDE TOMBO, ou, quem sabe, OS GRANDES TOMBOS, e uma nova liderança nos tire deste abissal radicalismo.

Uma falácia que não se sustenta está na afirmação de que o voto proporcional cria partidos políticos autênticos.

Esta regressão na história politica dos nossos 200 anos de independência, com voto proporcional, comprova que nunca tivemos PARTIDOS POLíTICOS AUTêNTICOS. Pelo contrário, a realidade dos números vem comprovando a visível queda de qualidade e baixo nível dos nossos parlamentares, vale dizer, homens e mulheres que deviam fazer as leis e fiscalizar os outros poderes apenas buscam o poder pelo poder.

Jamais teremos partidos políticos verdadeiros sem parlamentares de qualidade e idoneidade moral. A causa desta falta de qualidade dos nossos parlamentares e políticos está, em grande parte, exatamente no voto proporcional como vem sendo usado no Brasil. Alguns exemplos que a lógica da matemática e dos fatos nos mostra:

O estilo do deputado Tiririca ao lado da estátua de Ulysses Guimarães no Salão Verde da Câmara dos Deputados – Foto: Orlando Brito

Em 2011, o palhaço Tiririca, ao obter mais de um milhão de votos, elegeu mais seis ilustres desconhecidos. Votos de protesto que levaram estes nomes desconhecidos para a Câmara dos Deputados.

Em 2016, o excêntrico médico cardiologista Enéas Carneiro foi o deputado federal mais votado de São Paulo, com mais de um milhão e meio de votos, e elegeu mais 5 deputados, quatro dos quais não conseguiram mil votos.

Na última eleição de 2018, a deputada estadual Janaína Paschoal, face a sua popularidade no impeachment da presidente Dilma Rousseff, elegeu mais DEZ deputados, oito dos quais são HOMENS, verdadeira fraude eleitoral; vota-se na MULHER, mas se elege HOMEM.

Ainda em São Paulo, nas últimas eleições municipais, de 2020, no minúsculo município de Borá, pelo voto proporcional, o vereador Cristiano, do PSDB, se elegeu com apenas 29 votos.

Num sistema distrital jamais acontece tal aberração. Apenas o mais votado do distrito se elege. Fiquemos em São Paulo para demonstrar o que seria a mudança do voto proporcional pelo distrital, pois, com seus mais de 31 milhões de votos, São Paulo
tem mais eleitores que 23 outros estados do Brasil.

Enéas Carneiro obteve 1,57 milhão de votos em 2002, um recorde à Câmara dos Deputados só superado em 2018 – Foto: Orlando Brito

Com 31 milhões de eleitores paulistas, divididos em 70 distritos, que é o numero dos deputados federais de SP, teríamos no máximo 430 mil eleitores para eleger o seu deputado distrital. A primeira consequência disso seria que os Enéas e Tiriricas da vida não interessariam mais aos donos de partidos, pois as celebridades extrapolítica nada somariam. Teriam que escolher dentro do distrito os mais experientes e ilustres cidadãos habilitados na ciência política.

A segunda consequência seria o barateamento das campanhas eleitorais e maior aproximação do candidato com o eleitor. A terceira seria que a reeleição sempre dependerá do desempenho do candidato durante o seu mandato, até porque os que foram candidatos na última eleição estarão na linha de frente cobrando a atuação do único eleito.

Outrossim os tais influenciadores da internet também teriam que captar votos apenas dentro do seu distrito eleitoral e não como agora que possuem um universo de “influenciados ou marias com vão com as outras” sem noção em quem estão votando.

É assim que funciona o sistema nos países mais desenvolvidos e democráticos do mundo como EUA, Canadá, Reino Unido e outros que adotam um sistema misto de 50% pelo voto distrital e 50% pelo voto proporcional.

Imaginemos a eleição de vereadores em Borá, ou num dos mais de cem municípios com mil eleitores, com 9 distritos de aproximadamente apenas 90 eleitores cada um. Em tese o Cristiano de Borá poderia ser o mais votado no seu distrito, nem precisasse fazer santinho com sua fotografia, pois nos noventa dias de campanha eleitoral poderia falar pessoalmente com sua vizinhança explicando detalhadamente o seu plano de atuação.

Fico com a lição do Mestre Modesto Carvalhosa, dada na página 175 da sua portentosa obra UMA NOVA CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL, de um país de privilégios para uma nação de oportunidades. (…) “Há que se remover os defeitos estruturais do nosso regime eleitoral, fundado no voto proporcional. Esse sistema de votação desfigura inteiramente a representação política, na medida em que prevalecem os votos somados por legendas partidárias na composição dos parlamentos e das câmaras municipais. O voto proporcional é o instrumento de domínio político da oligarquia atrasada e corrupta que domina secularmente o poder politico no Brasil”.

Somente uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA, conseguirá criar um sistema diferente deste enganoso voto proporcional. Existem centenas de projetos pelo voto distrital na imensa fila de espera na Câmara e no Senado, mas sabemos que eles – como as reformas essenciais – não serão aprovados pelas cúpulas partidárias, havidas do poder pelo poder, como na última eleição de 1918 em que menos de 10% dos eleitos se elegeram com seus próprios votos e 90% foram carregados pelos tais partidos.

Por outro lado, uma CONSTITUINTE EXCLUSIVA também conseguirá, como outros países têm feito, reduzir o número fantástico de mais de 60 mil vereadores e usar este dinheiro dos cofres municipais para melhorar o salário dos professores, médicos e enfermeiras para termos EDUCAÇÃO E SAÚDE.

*  Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988 (parlamentarista, defensor da Constituinte Exclusiva pelo voto distrital e não obrigatório através de PROPOSTA DE INICIATIVA POPULAR, art. 14, III, da CF) 

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