Somos todos candangos?

Comparados aos bandeirantes durante a construção da nova Capital da República, os candangos perceberam que não teriam lugar na cidade que estavam construindo. Assim, foram ocupando irregularmente o território ao redor do Plano Piloto.

Juscelino Kubitschek

O dia 12 de Setembro, dia em que nasceu o Presidente Juscelino Kubitschek, foi escolhido para comemorar o DIA DO CANDANGO. E em razão disso, diversos equívocos foram publicados sobre a etimologia da palavra candango.

A palavra Candango teria ao menos duas etimologias com diversos significados em várias línguas, seja no Quimbundo, no Galego, no Espanhol ou no Português de Portugal.

O dicionário Aurélio diz que a palavra candango seria derivada de kungundu, diminutivo de kingundu, em Quimbundo. Kungundu exprimia, para os africanos, a ideia de ruim, ordinário, vilão. Era a designação dada por eles aos portugueses dedicados ao rentável tráfico negreiro. Com o passar do tempo, passou a designar a oposição entre litoral e interior.

Candangos na Praça dos Três Poderes. A escultura na praça, originalmente chamada Os Guerreiros, acabou ficando conhecida como Os Candango – Foto Fundo Correio da Manhã, sob a guarda do Arquivo Nacional

Há quem diga que candango é derivado da palavra Candongo, que, de acordo com o dicionário da verdadeira academia da língua espanhola, quer dizer “suave e astuto”. Outro significado do candongo encontrado no dicionário é quem tem a habilidade de fugir do trabalho (preguiçoso, em bom português).

Candongo também pode ser entendido como “dito ou feito” com o qual se pretende desorientar alguém para que ele não perceba o engano a que estará sujeito.

Em português o verbo candongar significa “fazer contrabando,  adular, lisonjear. Candongo também pode expressar “Aquele que vive se escondendo de algo ou alguém” , sinônimo de: nômade, delinquente, andarilho, escravo fugitivo, viajante, ambulante.

Independente da etimologia , se é derivada de candongo ou kungundu, o fato é que, desde sua origem, candango era uma palavra pejorativa.

Até a construção de Brasília, a palavra candango era usada no Brasil de forma pejorativa para designar o sertanejo, o cabeça-chata, o pau-de-arara, o trabalhador da construção civil de baixa qualificação, o sujeito sem eira nem beira.

Primeira Missa em Brasília, 3 de maio de 1957. Luiz Lemos/ Arquivo Público do Distrito Federal – ArpDF

A partir de Juscelino Kubitschek a palavra passou a ter uma nova conotação. Assim, passou de um termo depreciativo para um termo honorífico, fazendo parte de uma simbologia nacionalista do descobrimento do Brasil, utilizada na construção de Brasília, para fortalecer a ideologia desenvolvimentista. Basta comparar a pintura da Primeira Missa, de Victor Meireles, com as fotos da Primeira Missa de Brasília, celebradas na mesma data.

Assim, os candangos foram comparados aos bandeirantes, aos desbravadores do Brasil, considerados heróis na época da construção da nova Capital da República.

Entretanto, a designação dada pelo Estado para quem nasceu em Brasília não é “candango” e sim “brasiliense”. Apesar disso, o termo é usado a tudo que se refere ao Distrito Federal. Um exemplo é o campeonato de futebol local, batizado de candangão e não de campeonato brasiliense.

Vila Amaury

Mas, apesar de toda menção honrosa, os candangos perceberam que não teriam lugar na cidade que estavam construindo. Assim, foram ocupando irregularmente o território ao redor do Plano Piloto. Dessa forma surgiu a Vila Amaury, A Vila Tenório, Vila Sarah Kubitschek, Morro do Urubu, invasão do IAPI, entre outros, que deram origem as cidades de Sobradinho, a Taguatinga, e no fim da década de 70, com a campanha de erradicação de invasões, à Ceilândia.

 

A Cidade Livre, a maior das cidades dos candangos – Foto Fundo Correio da Manhã, sob a guarda do Arquivo Nacional

Assim como na colonização do Brasil os portugueses ignoraram os habitantes originais do território, a ideologia desenvolvimentista ignorou as antigas fazendas, as cidades históricas e a pré-história de Brasília (os acampamentos pioneiros da construção da cidade). Por isso, na História Oficial temos a narrativa de uma Brasília que surgiu “do nada” como um passe de mágica.

Até hoje, defensores do patrimônio das antigas Fazendas, das áreas tradicionais de Planaltina e dos remanescentes dos acampamentos pioneiros como Vila Planalto, Paranoá, Candangolândia e Metropolitana, lutam para tentar manter de pé o que ainda resiste ao descaso do Estado em relação aos prédios históricos. E , assistem, dia a dia, os candangos morrerem sem que suas histórias sejam registradas pelos órgãos oficiais. Uma pena!

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