Salada partidária

Em 2022, as eleições gerais serão novamente guiadas pela raiva, como em 2018?

Regime das federações partidárias

Foi dada a largada. Todos os concorrentes se alinham para a partida deste grande prêmio Brasil, comemorativo dos 200 anos de independência. Será um páreo duro e complicado, pois, embora existam regras para os contendores, na prática sabe-se de antemão que poderá haver muitos golpes abaixo da linha da cintura, inclusive traições e até tentativas de eliminação dos candidatos. São os tais métodos não convencionais já registrados em páreos anteriores.

Não, não é uma corrida de cavalos, mas uma disputa eleitoral. O histórico das últimas eleições mostrou que o vale-tudo em que até a vida dos concorrentes pode estar em jogo.

Façam suas apostas, senhores.

No turfe, os cavalos correm a pequenas distâncias uns dos outros

Os pules já mostram os favoritos, mas como em todas as corridas (eleições) o imponderável pode estar presente e dar um azarão – como aconteceu na última corrida presidencial.

Certa feita em vila alegre numa penca confirmada
Quase ninguém apostou nas patas da minha gateada
Saltei na frente dos potros e pra encurtar o relato
O que era favorito se quer saiu no retrato
(Verso campeiro de Carreiradas, de Clovis Mendes)

Alguns concorrentes foram tratados com um preparo especial, custeado pelos bilhões da caixa-preta dos famigerados fundos eleitorais e “aportes secretos e misteriosos” de apostadores incógnitos além fronteiras, dispostos a pagarem até seis mil reais por diária em estalagens cinco estrelas. Mas a maioria da penca está acostumada mesmo com a tradicional alfafa e milho e jockeys que preferem comer pizza andando na rua e sanduíche nos botecos.

Finalmente estão alinhados os cavalos (partidos) emparelhados para a tão aguardada largada. Os jóqueis devidamente uniformizados de vermelho estão posicionados na parte esquerda da raia, as cores mais variadas dum verdadeiro arco-íris no centro da cancha, enquanto que à direita se destaca o verde-amarelo.

Mesmo com a gritaria antecipada de treinadores, donos de potrilhos indomáveis e fogosos, que se faz ouvir contra o sistema de arbitragem – o qual se nega a mostrar o foto char da chegada -, as emoções já são intensas e ainda prometem aumentar mais.

Foto: jornalfarpas@sapo.pto.pt

A menos que um dos corredores tome corpos e corpos de vantagem desde a largada e de outros que costumam ficar empacados, nesta carreira de “tiro longo” a vitória não estará garantida se pintar acusação de doping, criando um novo entrevero pela impossibilidade da contraprova também não admitida.

Corrida longa e cansativa em que os puro-sangue terão que duelar com pangarés, cada um com sua estratégia secreta, pois que ainda a maioria não disse e não apresentou um plano do que pretende fazer com o grande prêmio que abiscoitará.  

Os azarões da largada normalmente costumam meter-se no bloco central da tropa, já sabendo que podem dar e receber empurrões, coices, “manotaços” e chicoteadas na fuça, bater e cuspir nos olhos para cegar ou tontear o adversário.

Neste vale-tudo não é feio perder, mas uma audácia dos petiços estreantes enfrentar os grandes garanhões ou puro-sangue já testados em todas as raias e hipódromos deste imenso hipódromo chamado democracia brasileira.

O humorista, ator, escritor Jô Soares,  morto recentemente – Foto: reprodução

Presumo que o nosso inesquecível Jô Soares, vivo ainda fosse, diria que tudo isso não passa de um samba do crioulo doido.

Dos estilos e gêneros literários talvez seja a sátira a mais apropriada quando se aborda a triste realidade do nosso sistema político partidário e eleitoral. Neste ultrapassado sistema de voto proporcional onde não temos partidos, mas cartórios eleitorais, manipulam-se bilhões dos impostos para serem consumidos nas caixas-pretas desta verdadeira salada partidária.

Votarei pela décima primeira vez numa eleição presidencial, mas jamais imaginei que pudesse votar em quase uma dezena de imitações de partidos na mesma eleição.

Vejamos a miscelânea deste arcaico sistema:

        

Código Eleitoral – Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965

CODIGO ELEITORAL – Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965

 “Art. 87. Somente podem concorrer às eleições candidatos registrados por partidos”

LEI DAS ELEIÇÕES – Lei 9.504 de 30 de setembro de 1997:

Art. 1º As eleições para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Prefeito e Vice-Prefeito, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital e Vereador dar-se-ão, em todo o País, no primeiro domingo de outubro do ano respectivo.

 Parágrafo único. Serão realizadas simultaneamente as eleições:

I – para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual e Deputado Distrital;

II – para Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador.”

Nesta balbúrdia de conchavos e truques oportunistas dá pra votar da extrema esquerda, centrão e até extrema direita.

Consideremos a seguinte hipótese:

1 – Votar num candidato a presidente que tenha um vice de outro partido;

2 – Num Senador que tenha dois suplentes de partidos diferentes;

3 – No Governador que tenha vice de outro partido;

4 No deputado federal e estadual de partidos diferentes.

Em resumo o eleitor poderá votar nada mais nada menos que em 9 (nove) partidos. Alguém sabe informar (principalmente os cientistas políticos)  em que outro país do mundo existe este sistema?

Esculhambação, superdemocracia ou anarquia mesmo?

Risível, mas a verdade nua e crua,  é que neste enganoso sistema de voto proporcional se vota numa mulher e se acaba elegendo um homem ou vice-versa para o nosso parlamento.  Esta fraude e o fórum privilegiado têm sido a causa direta pela constante queda do nível dos nossos parlamentares. Tiririca estava errado. Ficou pior e vai ficar ainda mais.

Quanto às famosas pesquisas eleitorais não têm como se esquecer o fiasco de 2018 em que erraram feio demais, porque foi o VOTO RAIVA CONTRA A CORRUPÇÃO que deu a vitória à Bolsonaro – um obscuro e desconhecido deputado do baixo clero que estava isolado no parlamento.

Sempre disse e repito que a RAIVA CONTRA A CORRUPÇÃO AINDA ESTÁ ATIVA, agora chamada de radicalização. As pesquisas não informam e nem conseguem detectar que  A RAIVA CONTRA A CORRUPÇÃO AINDA CONTINUA PULSANDO NOS HOMENS DE BONS PRINCíPIOS E HONESTOS, pois que presumem apenas esta nova raiva que apareceu CONTRA O BOLSONARO, AGORA O CULPADO DE TUDO.

Afinal o que é a raiva?

“Dois meninos engalfinham-se no pátio da escola. Um é maior e fala mais alto: ele sacode o menino menor. Foi um erro de avaliação porque o menor explode como uma granada. E começa a esmurrar o estômago, as virilhas, o peito. E quando o grandalhão está estendido por terra, ele lhe chuta o rosto e as costelas. Em menos de um minuto está tudo terminado. Um professor arrasta o menor até um banco, onde ele fica sentado esperando o diretor. O menino revive a cena vezes e vezes seguidas. E se pergunta o que lhe deu a velocidade, a força e mais espantosa coragem para dar cabo do valentão. A resposta, sem dúvida, é a raiva. As mudanças hormonais disparadas pela raiva fazem cinco coisas importantes em termos de protegê-lo de ataques. A raiva garante:

  • Sensação de ganhar força. De repente, você não tem dúvidas a seu respeito. Você pode fazer tudo o que precisa ser feito.
  • Energia para enfrentar o momento. Não só você ganha confiança como a raiva lhe dá a força de se mobilizar para entrar em ação.
  • Um mecanismo de bloqueio de sentimentos inconvenientes ao momento, como medo e culpa. A raiva desvia ou obscurece quaisquer sentimentos que possam inibir atos de autoproteção. O vetor da raiva é sempre para fora, atacar e afastar a fonte da dor. Não há espaço para sentimentos que o deixem mais lento no momento do combate.
  • Egocentrismo adaptativo. A raiva lhe permite esquecer as necessidades da outra pessoa. A dor dela não vem ao caso. Só importam sua dor pessoal e suas necessidades presentes.
  • A convicção de estar 
  • certo. A raiva fortalece a sensação de que você está certo e de que tudo o que faz é justificável. Há uma temporária suspenção de qualquer percepção do próprio erro ou da própria maldade, para maximizar o compromisso de se proteger. (pag. 239 do livro de psicologia QUANDO A RAIVA DóI)

         Como estará em outubro, no dia das eleições, a maioria do eleitorado brasileiro? Com raiva ou calma e pacífica?

É a pergunta que não cala, tomada de raiva ou mantendo o bom senso na hora de votar pelo destino da República?

As pesquisas continuam a dizer que não existe a possibilidade de um momento de neutralidade e lucidez pela radicalização que já se formou. Mas por as barbas de molho com estas pesquisas sempre é recomendável para gatos escaldados, até porque nesta corrida um azarão da terceira via que resolva correr por fora pode emplacar.

– Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor da PEC de iniciativa popular para escrevermos uma nova Constituição através de uma Constituinte Exclusiva 

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