Quem é louco e quem é normal?

O conto O Alienista nos instiga a pensar sobre a loucura e a normalidade. Bem adequado ao momento atual no Brasil

Simão Bacamarte, o médico de "O Alienista", de Machado de Assis
Joaquim Maria Machado de Assis

Machado de Assis é um autor que todo brasileiro deveria conhecer. Para quem não tem coragem de mergulhar de cara nos romances, sugiro que comece pelos contos. É cada um melhor que o outro, nem saberia eleger o meu preferido. Porém hoje, diante da situação em que nos encontramos, escolho O Alienista. Vou fazer um brevíssimo resumo.

Doutor Simão Bacamarte é um médico curioso que passa a se dedicar aos estudos da psiquiatria. Ele se muda para Itaguaí, onde decide abrir uma manicômio chamado Casa Verde, para abrigar os loucos da cidade e da região. A princípio, ele interna os, digamos, doidos de verdade. Mas com o passar do tempo passou a enxergar loucura em todos.

Quando grande parte da população da cidade estava internada, o barbeiro Porfírio, que almejava carreira politica, organizou um protesto e armou a Revolta dos Canjicas. A população foi até a casa do doutor protestar. A polícia, inicialmente chamada para resolver a confusão, acabou aderindo aos revoltosos.

Dr. Simão Bacamarte

Porfírio, aquele que queria mesmo era ser político, se sentiu mais poderoso do que nunca com toda aquela gente protestando. Decidiu então procurar Doutor Bacamarte e, ao invés de destituí-lo, acabou se juntando a ele para continuar as internações na cidade. Qualquer pequena ação que fugisse um pouco do que eles imaginavam ser o comportamento normal, era justificativa para que o sujeito fosse trancafiado no hospício.

Com o passar do tempo, vários apoiadores da Revolta dos Canjicas também foram internados e até a mulher do médico, e seu amigo mais próximo, passaram a morar na Casa Verde.

No final das contas, a grande maioria da população de Itaguaí acabou internada no manicômio. Quase não sobraram pessoas “normais” que pudessem ficar de fora. O alienista percebeu que havia algo errado, resolveu então libertar os internos e rever sua teoria.

Casa Verde

Todas as pessoas eram em menor ou maior grau cheias de defeitos, exceto ele, que se considerava e era considerado por todos moralmente perfeito. Bacamarte percebeu que era ele o anormal, por isso resolveu trancar-se na Casa Verde até o fim de seus dias.

Essa história é boa para refletirmos sobre quem é louco e quem é normal, bem adequado a este tempo em que pessoas aparentemente sóbrias agem como verdadeiros mentecaptos.

Bom para perceber também que pessoas que se acham moralmente superiores às outras podem ser, elas próprias, as mais anormais.

Um vídeo circulou recentemente nas redes sociais com os melhores memes dos patriotas, denominação irônica da turma que se fantasia com a roupa da seleção brasileira e pendura bandeiras do Brasil nos carros, nas janelas, nos ombros, nas cabeças e pede a volta da ditadura militar em nome da liberdade; esse paradoxo por si só já valeria a internação numa clínica psiquiátrica.

Em Porto Alegre, ‘patriotas’, com celulares na cabeça, pedem socorro a luzes que surgiram no céu – Foto Reprodução

Em Porto Alegre um grupo de manifestantes que não aceitam o resultado das eleições foi filmado tentando contato com extraterrestres. Estavam ao redor de um SOS bem grande cravado no chão, com celulares na testa piscando para o céu.

Se Doutor Simão Bacamarte tivesse acesso àquelas imagens dos memes dos patriotas, certamente confinaria no hospício não apenas eles, mas muitos outros que criaram uma realidade paralela, às vezes com ETs, e vivem paranoicamente criando e reproduzindo teorias da conspiração, e não aceitam as coisas como elas são.

Bacamarte resolveria parte do problema do nosso país, oferecendo tratamento a uma parcela da população que tem apresentado comportamento muito próximo da loucura. É provável que ele mudasse apenas o nome do manicômio. Para combinar com os loucos e o governo ao qual eles servem, passaria a se chamar Casa Verde e Amarela.

Veja o vídeo feito pelo fotógrafo Marcelo Nunes, em Porto Alegre, dos bolsonaristas pedindo “olhe pra nós, general”.

 

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