Olavo de Carvalho: sobre o gozo dos mórbidos

Olavo de Carvalho

“Morreu Olavo de Carvalho. Considerado um imbecil por todos os filósofos e um filósofo por todos os imbecis (Ruy Castro).”

O registro de Ruy Castro sintetiza o estado catatônico da biruta nacional. É a expressão maior da dialética possível num tempo doentio no qual todos (exceção a Castro e outros ungidos para o saneamento geral) nos flagramos em comportamentos imbecis, atitudes idiotas, prazeres compulsivos, recorrências catatônicas, entre outras muitas desordens psíquicas.

Soldados da guarda presidencial hasteiam a bandeira a meio mastro em frente ao Planalto, após o decreto de Bolsonaro pela morte astrólogo Olavo de Carvalho – Foto Orlando Brito

Numa sociedade em ritmo de regressão acelerada todos os  grupos sociais são atingidos de alguma maneira, indiscriminadamente. Ninguém escapa ao enquadramento em algum tipo patológico de  distúrbio mental. Salvos os agraciados com: a) uma consciência moral superior e exclusiva para revelar o verdadeiro olhar crítico ; b) a consequente  imunidade divina das vanguardas para apreciar e julgar definitivamente  o mundo; c) a reserva ética para a política certa dos que se situam do lado bom da história.

Os Simões Bacamartes de Castro se julgam os juízes do mundo, escolhidos para operar o bonde da história, acima de tudo e de todos. Eles acreditam poder flutuar sobre a areia movediça do qual se livram, imitando o Barão de Münchhausen, puxando-se e aos seus soldados de Brancaleone, pelos cabelos.

A morte de Olavo Carvalho é emblemática desse momento geral de ressentimento e de ódio generalizado. O pensamento ultraconservador ganhou terreno nesse duplo contexto de vazios na política tradicional conjugado ao fracasso das esquerdas em fazer avançar suas lutas. Bolsonaro soube aproveitar esse quadro geral de fadigas das políticas e utopias. Olavo foi o intelectual perfeito para a simplificação de uma realidade estilhaçada, oferecendo receitas mofas para compreendê-la e trilhas golpistas para mudá-la politicamente.

As esquerdas tradicionalistas não se reconstroem no mesmo ritmo esperado para ultrapassar o transformismo que mais uma vez se avizinha para trair as classes mais desprotegidas, tendendo à repetição histórica (de seus ídolos e experimentos derrotados) sem a devida autocrítica nos seus contributos para tantas derrotas. O imbecil, o algoz, o idiota e o fascista é sempre o Outro. Simples assim…

Olavo pode ser desclassificado como astrólogo, filósofo, professor. Pode ser execrado como um ser desprezível nas formas de vender seu ideário reacionário. Todavia, Olavo não pode ser desconsiderado como jornalista (escreveu para os maiores jornais do Brasil), tampouco como ideólogo e protagonista importante na história recente. Nas redes sociais milhares o seguem e seus livros indicam receptividade vertiginosa. Vale dizer, ele forma opiniões. Desconsiderar as qualidades do inimigo é como minar o próprio terreno da luta política, despotencializando-o. Abdicar da reflexão sobre os erros nas hostes dos amigos é ainda mais perverso nas consequências.

Gramsci permite tipificar Carvalho como um educador no sentido de intelectual não tradicional, capaz de produzir organicamente atos pedagógicos de atualização do material ideológico, mesmo de curiosa contra-hegemonia por dentro do bolsonarismo, indicando-lhe novos sentidos.

A desconsideração do outro tão usada por Olavo voltava-se contra ele, embora o quadro moral das oposições (liberais e esquerdas democratas) não pareça elevar-se, mais nivelar-se por baixo em catilinárias e baixarias expressas nos festejos da morte de Olavo.

Uma última observação. Ao desdém e fogos ao defunto segue -se a idolatria salvadora de Lula, desprovida de crítica capaz de empreender a análise pragmática da política para um além das escolhas capazes não só de derrotar Bolsonaro, mas de ser capaz  de dirigir o olhar histórico e outras superações: do bolsonarismo, bem entendido, mas do próprio lulopetismo, no que ele carrega de arcaico, conservador e reativo ao progresso institucional.

A escolha eleitoral contra Bolsonaro significa pouco se não houver a reiterada referência ao que deve ser superado: as formas de poder tradicional exercidas pelas vias desgastadas e perigosas das lideranças carismáticas, das alianças populistas, dos pactos caudilhescos, dos currais corporativos, dos estamentos partidários e dos jogos de corrupção (do dinheiro, mas sobretudo, dos ideários liberal e socialista), pois prostituídos, desconectando pensamentos sociais (?) e consciências individuais e de grupos, embaçando ainda mais clima de uma política esgarçada.

A eleição pode até ser ganha por Lula neste ano, expressando a derrota de Bolsonaro. Mas o bolsonarismo restará fortalecido e os setores progressistas poderão fornecer, caso permaneçam nas teias das revoluções passivas, um surpreendente e avassalador retorno da extrema direita no futuro. A bússola encontra-se avariada, e a biruta, com torcicolo. Há que mudar para mudar.

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