O país onde compram votos

Quando o Poder Legislativo passa a ser integrado por maioria de parlamentares corruptos, eleitos com votos comprados, está dado o primeiro passo para a desagregação do regime democrático

Compras de votos - Foto Divulgação

A experiência de muitas eleições me ensinou que temos várias espécies de eleitores. Há os amantes da pátria, empenhados em defendê-la e fazê-la respeitada. Outros, entretanto, votam para agradecer algum favor, ou são seduzidos pela promessa de emprego. Expressiva maioria elege por ignorância e boa parte troca o voto por dinheiro ou alguma outra coisa de valor.

Humphrey com Lyndon B. Johnson na Casa Branca – Foto Sociedade Histórica de Minnesota

Hubert Humphrey (1911-1978), vice-presidente dos Estados Unidos no governo Lyndon Johnson (1963-1969), com fina ironia certa vez registrou, “É verdade que há muitos idiotas no Congresso. Mas os idiotas constituem boa parte da população e merecem estar bem representados”. A frase se aplica a corruptos, arrivistas, analfabetos, peculatários, desavergonhados e inúteis, bem representados em assembleias municipais, estaduais e federais.

O Poder Legislativo é o mosaico vivo do povo, eleito a sua imagem e semelhança. A legitimidade formal nasce do voto direto, secreto e livre. É inútil, contudo, negar que a compra e venda de votos se converteu em fenômeno universal, praticado com maior ou menor intensidade nos países democráticos. Regimes autocráticos não dependem de votos, mas da força das armas para eternização no poder.

Sua Majestade o Presidente do Brasil – Um Estudo do Brasil Constitucional (1889-1934)

O diplomata inglês Ernest Hamblock (1886-1970), secretário da Câmara Britânica de Comércio fundada no Rio de Janeiro em 1935, e correspondente do jornal The Times, aqui morou 25 anos. Em 1934 publicou o livro Sua Majestade o Presidente do Brasil – Um Estudo do Brasil Constitucional (1889-1934), do qual retiro o seguinte trecho:Não existe mais predisposição para a desonestidade no Brasil do que em outros lugares. A honestidade não é, de qualquer modo, uma qualidade inata na humanidade. É uma matéria de educação e ambiente. Existem muito homens honestos no Brasil. Mas existe muito pouca chance de que alcancem a vida pública, e ainda menos de que aí permaneçam se conseguem atingi-la. O meio é corrupto e corruptível. Noventa por cento dos homens que entram na vida pública no Brasil presidencialista começam pobres e terminam ricos” (Ed. UNB, Brasília, DF,1981, pág. 107)

Sua Majestade o Presidente do Brasil – Um Estudo do Brasil Constitucional (1889-1934)

Da compra de votos tratou Friedrich Hayek no livro Direito, Legislação e Liberdade. Escreveu o austríaco, Prêmio Nobel de Economia em 1974: “O termo democracia, quando não é utilizado simplesmente como sinônimo de igualitarismo, vem se tornando cada vez mais a designação dos próprios processos de compra de voto, para aplacar e compensar aqueles grupos de interesse que, em tempos mais ingênuos, eram qualificados de ‘interesses sinistros’. Mas o que nos importa no momento é mostrar que a responsabilidade disso cabe não à democracia quanto tal, mas à forma particular de democracia que hoje praticamos” (Ed. Visão, SP, 1985, vol. III, pág. 37).

A imprensa está farta de notícias sobre o uso do orçamento secreto, como instrumento de compra de votos. A expressão, criada no atual governo, se refere à prática generalizada que atinge em cheio o Art. 37 da Constituição, cujo texto ordena à administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obediência “aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

Para ser aquinhoado com recursos do orçamento secreto, o município necessita de apadrinhamento político. O dinheiro público não é distribuído observando-se diretrizes de justiça, de necessidade, de publicidade ou moralidade. Decisivo para recebê-lo será gozar da proteção de deputado ou senador, que o direcionará arbitrariamente, de acordo com a retribuição em número de voto. Reportagem do jornal O Estado, revela que “o Brasil tem 522 cidades que foram penalizadas, nos últimos quatro anos, por concentrarem seus votos em candidatos a deputado federal derrotados em 2018. Sem padrinhos políticos, essas cidades foram alijadas na distribuição de recursos federais e de políticas públicas” (17/7, pág. A10).

Jair Bolsonaro – Foto Orlando Brito

O presidente Jair Bolsonaro se engana, ou deseja nos enganar. A fraude não está nas urnas eletrônicas. Vem de muitas décadas. Consiste na depravada prática do suborno dos eleitores, mediante alguma forma de compra dos votos. Quando o Poder Legislativo passa a ser integrado por maioria de parlamentares corruptos, eleitos com votos comprados, está dado o primeiro passo para a desagregação do regime democrático e implantação de ditadura de esquerda ou de direita. Diga-me qual a pior.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidiu o Tribunal Superior do Trabalho

 

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