O insustentável peso da mentira

Como confiar num país onde a mentira faz parte do modo de agir dos governantes?

Quando Milan Kundera escreveu “A insustentável Leveza do Ser” (1983), a então Tchecoslováquia, hoje República Tcheca, depois da curta Primavera de Praga, começávamos no Brasil a disputar eleições diretas para governadores e prefeitos, iniciando a distensão do regime militar até conseguirmos em 1988 a “redemocratização à brasileira, quando foram concedidos direitos e privilégios, mas não tivemos coragem e meios de impor também deveres e restrições ao abuso do poder dos governantes. Houvesse, hoje, algum kundera da vida, analista e realista desta democracia (???), possivelmente  trocaria o título da obra,  mudando a palavra “leveza” pela palavra “peso”, bem como a expressão “do ser” pela fatídica palavra  “mentira”.

Não faltam exemplos de mentiras assacadas pelos próprios  governantes até para falar mal do Brasil, deteriorando a nossa imagem perante as nações civilizadas. Com gabolice e vaidade o atual presidente confessou que mentiu em Paris para o mundo, façanha intencional ou por falta de conhecimento mesmo, mentira repetida ainda neste ano de 2023 na Suíça pela atual ministra Marina Silva, ao lascar a asneira que temos mais de 120 milhões de famintos.

Evidente que, com este noticiário maligno, cria-se no exterior incalculáveis estragos para nossa imagem e reputação no mundo desenvolvido – onde a verdade é sinal de prestígio e respeitabilidade de um povo –,  dando assim razão para que continuem achando que o Brasil não é um país sério”.

A psicanálise moderna nos mostra que os “mentirosos compulsivos são aqueles que começaram a generalizar a mentira, pois é mais fácil mentir do que falar a verdade. Dessa forma, eles podem criar sua própria realidade e evitar mostrar aquela realidade que dói para eles. Ficam assim viciados em mentiras, procurando de forma constante aquele falso reforço que isso supõe para a sua autoestima. Porém, esse reforço não é assim, já que não encarar a realidade nos introduz o problema de forma mais profunda. Vale frisar que é cada vez mais difícil escapar dela, pois deixar de mentir significa assumir aquela realidade da qual se foge”.

“A verdade é filha do tempo e não da autoridade”, ensinou Galileu Galilei (1562/1642), o fundador da ciência moderna.

Exatamente o tempo que mostra a verdade sobre este desastroso sistema de governo brasileiro. Fruto de golpe de estado, começou prometendo de que REPúBLICA (res (coisa) pública)  estabeleceria que “todos são iguais perante a lei”.

Esta é a grande MENTIRA DO SISTEMA.

Prédios da Suprema Corte e do Congresso Nacional brasilianos vistos a partir do Palácio do Planalto – Foto: Agência Senado / Marcos Oliveira
Para o jurista Modesto Carvalhosa, os juízes do STF afrontam o sistema penal acusatório brasiliano

Vivemos nesta descarada mentira dita e proclamada pelos donos dos três poderes, realidade que o povo conhece não existir, e, como bem explica a inquestionável sabedoria do emérito jurista e professor Modesto Carvalhosa ao esclarecer e alertar:

”Esses famigerados atos de força promovidos pelo Supremo Tribunal Federal, transformado num Santo Ofício, afrontam o sistema penal acusatório instituído na Constituição de 1988, que, ao estabelecer o primado da democracia, atribui ao Ministério Publico a titularidade da ação penal, com a oitiva do indiciado na fase investigatória. A partir daí, deveria ser instalado um processo dialético entre acusação e o indiciado, com direito à ampla defesa e apresentação de provas e contraprovas, no qual as partes têm amplo e irrestrito acesso a todos os documentos nele contidos. Na medieval portaria do STF, no entanto, a investigação é secreta, sendo os membros do Santo Ofício, outrora STF, encarregados de julgar aqueles que falem mal deles próprios e das instituições republicanas. A investigação secreta se desenvolve sem a participação do Ministério Público e do investigado“.

“Os pedidos de habeas corpus dos cidadãos alcançados por esta brutal quebra dos direitos fundamentais serão apreciados pelos próprios ministros do STF, que, como membros do Santo Ofício, negam a ordem. O sistema acusatório foi revogado por essa abjeta Portaria GP n. 69 e pelos Inquéritos n. 4.781 e 4.828, em virtude dos quais os ministros do Supremo colocam-se, ao mesmo tempo, como vítimas, investigadores secretos, acusadores e julgadores dos cidadãos que ousaram ou vierem a ousar criticá-los pelo exercício errático de suas funções e pelas notórias ligações de membros de suas famílias aos escritórios de advocacia cujos clientes são beneficiados pelas decisões monocráticas e colegiadas daquela Corte Suprema”. (UMA NOVA CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL – DE UM PAIS DE PRIVILÉGIOS PARA UMA NAÇÃO DE OPORTUNIDADES, 2021, LVM Editora, Modesto Carvalhosa, pag. 251)

Existe no íntimo de cada pessoa a natural inclinação para o bem vocação de dar à cada um o que seu, que judiciosamente foi traduzida pelo filósofo:

“… o mau exemplo é como uma espécie de exortação pessoal ao mal murmurado em seu ouvido e contra o qual seus instintos mais elevados se revoltam. Tudo isso resultado no fato de que o bom senso popular faz sempre a sanção entrar na própria fórmula da lei e encare a recompensa ou o castigo como motores. A lei humana tem a dupla característica de ser utilitária e necessária: o que é exatamente o oposto de uma lei moral, que comanda sem móvel uma vontade livre”. (JEAN-MARIE GUYAUCRÍTICA DA IDÉIA DE SANÇÃO, 2007, Martins Editora Livraria, São Paulo, pag. 46/47)

Fernando Henrique Cardoso, autor, entre outros livros, de A Arte da Política – Foto: Orlando Brito

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso confessa, na pag.105 do seu livro A ARTE DA POLíTICA, que, enquanto Tancredo Neves agonizava, o então “PMDB já estava exercendo plenamente o butim do Estado, como passou a fazer o PT após a vitória de Lula em 2002, trocando funcionários e técnicos por partidários e clientes, pretextando a necessidade de expurgar a máquina administrativa dos que haviam servido ao regime passado; houve até, nas bancadas parlamentares, sorteio para ver quais cargos em que órgãos públicos seriam preenchidos por indicações de quais deputados e senadores”. (Editora Civilização Brasileira 2006)

“Não veio um Lula Mandela, veio um Lula anti-Bolsonaro’, diz Tasso Jereissati (PSDB), um dos fiadores da aliança que ajudou a eleger o petista no segundo turno da eleição presidencial de 2022. O ex-senador tucano critica as ‘agressividade’ e ‘linha radical’ da política econômica do governo. Ou será que Jereissati se conteve para não dizer: sumiu o Lula paz e amor para voltar o sindicalista raivoso da prisão, que ainda se acha inocente?

 

Não nos iludamos por batermos recordes na produção de alimentos pelo hercúleo trabalho dos nossos agricultores, preciso é cair no real desta sociedade. A paixão pelo melhor futebol do mundo – hoje mero celeiro de craques – enquanto vemos na organização da CBF correr solta a incompetência e corrupção; as torcidas engalfinhando-se em batalhas mortais nas ruas; as milícias, crime organizado, tráfico de droga e contrabando de armas nos encurralando para dentro de casas pelo risco de sermos assaltados na rua por um simples celular. A pobreza dos mendigos de ruas nos humilha, as catástrofes das ocupações em áreas de risco continuam existindo sem que os que deviam zelar não sejam punidos e nem denunciados.

A sede do STF foi um dos três prédios públicos vandalizados por bolsonaristas em 8 de janeiro de 2023

Basta o espetáculo dantesco do 8 de janeiro nos 3 poderes da praça (ainda a ser devidamente esclarecido) ser uma pequena amostra das multidões enfurecidas contra este estado de coisas. Chegamos ao limite. Não será mais possível termos governos novos sem metas e programas. Chega de sermos avestruzes que enterram a cabeça no chão de medo de enfrentar o perigo.

A saída pacífica, democrática, inteligente, racional e planejada deve ser entregue à ASSEMBLEIA CONSTITUINTE EXCLUSIVA, formada de 50% de homens e 50% de mulheres do povo – sem vínculos políticos partidários, sem interesses pessoais ligados ao governo, para que em 2 anos formatem o tipo de estado e sistema de governo, para que num referendo estes mais 200 milhões de brasileiros digam se aprovam. Eles só querem a igualdade de oportunidades e o fim dos privilégios da classe dominante.

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Que a CONSTITUINTE venha antes que a ira e fúria das massas resolvam fazer justiça pelas próprias mãos porque a fúria incontrolável dos injustiçados causará choro e ranger de dentes.

Uns me chamam de desesperançado, outros de utópico, mas como brasileiro eu ainda acredito “Onde estiver, seja lá como for. Tenha fé, porque até no lixão nasce flor”.

* Nilso Romeu Sguarezi é advogado. Foi deputado federal constituinte de 1988. É defensor de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva 

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