“Não há, no mundo, elites mais alienadas do que as nossas”. A frase de Nelson Rodrigues corta como a navalha na carne. Certeira, profunda, irrespondível, incontestável, é a radiografia e o diagnóstico da nossa sociedade.
Diz o Dicionário Houaiss que a palavra elite encerra dois significados contraditórios. Expressa a ideia de “o melhor ou o mais valorizado num grupo social” e de “minoria que detém o prestígio e o domínio sobre o grupo social”. Proponho terceira significação; a de reduzido grupo de pessoas, famílias, ou políticos, detentores de riqueza e poder, que subestimam a miséria em que sobrevive a maior parcela da sociedade.
A campanha eleitoral em curso traz à tona a face escura da elite política. Sem deixar de reconhecer a existência de candidatos e candidatas de valor, larga camada de palha podre flutua nas ondas da corrupção e da indiferença, à espera de incautos eleitores.
A cada quatro anos, em eleições gerais, o eleitorado se vê obrigado a escolher o representante do seu Estado no Senado, quem falará pôr ele na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa, no governo estadual ou na presidência da República.
O cardápio de candidatos é selecionado a dedo pela elite dirigente dos partidos. Participação popular é rigorosamente igual a zero. Sobre os partidos já se disse tudo. Entre dezenas registrados no Tribunal Superior Eleitoral, raros se diferenciam pelo componente ideológico. Algumas são legendas de aluguel, criadas com o objetivo de receber verbas do Fundo Partidário e do Fundo de Financiamento Eleitoral, para assegurar vida farta aos proprietários e serem rateadas entre candidatos privilegiados.
O atual quadro de miséria generalizada está diretamente relacionado à alienação das elites. Em São Paulo o número de moradores de rua cresce de maneira ininterrupta e assustadora. A solução para a cracolândia consistiu em transferi-la para a Praça Princesa Isabel, à sombra da monumental estátua equestre do Duque de Caxias. “Crianças e adolescentes dormem no vão livre do Masp: MP abre inquérito”, é o título da reportagem publicada no Estadão de hoje (2/4, pág. A26).
O inquérito do Ministério Público “cita os direitos garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, como se bastassem para a solução de graves problemas que acometem crianças e adolescentes de famílias carentes, ou simplesmente abandonados.
O editorial Um desastre social e econômico, publicado no caderno Economia & Negócios do mesmo jornal (pág. B10), fornece em detalhes as dimensões da crise. Com 12 milhões de pessoas em busca de trabalho, o mercado interno nada mudou durante o governo do presidente Jair Bolsonaro. Além do desemprego, a queda de rendimento das classes trabalhadoras, é da ordem de 9,7%. “Sem aumento do consumo interno, a produção de serviços e de bens fica sem tração para aumentar”, diz o referido editorial. Quase metade da população vive abaixo da linha da miséria.
Entre os candidatos à presidência da República não se ouvem propostas sólidas, objetivas, convincentes, para o enfrentamento do desastre social e econômico. Luiz Felipe d’Ávila, presidenciável pelo Novo, com 1% de intenções de voto, entrevistado pelo Estadão em seu apartamento teceu generalidades. Afirmou que é favorável ao SUS, à melhoria das relações do governo federal com Estados e Municípios, à solução de problemas relacionados à saúde primária e ao médico de família, “que é algo importante”.
Procurou saber o ilustre candidato, com olhos de ver e ouvidos de ouvir, como as coisas se passam na periferia de São Paulo? As dificuldades enfrentadas pelo doente, homem ou mulher, velho, jovem ou criança, para ser atendido de maneira atenciosa pelo médico da unidade local de saúde? Tem projeto para resolver a questão do desemprego e dos baixos salários? Para quem não passou por necessidades e não viveu as experiências de vereador, de deputado estadual ou federal, de senador, parece-me pretensão exagerada disputar de imediato a chefia nacional do Poder Executivo.
Não conheço o ilustre candidato. Creio ser boa pessoa. Tem livros publicados. Não deixa, porém, de representar a elite que emerge às vésperas de eleições. Acredito que, como o avô João Pacheco Chaves, reúne condições para ser deputado federal. Estaria de bom tamanho. Afinal, a Câmara dos Deputados tem necessidade de ser renovada.
— Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho