Lula e Moro: Macunaímas e lebres

Lula é quase um Deus intocável. Pode quase tudo com seu rebanho acrítico e de fidelidade canina. Nesse aspecto Bolsonaro ainda mantém, igualmente, sua força armada e não armada de fanáticos seguidores do Salvador da Pátria.

Lula e Moro
Obra de Mário de Andrade foi adaptada para o cinema, em filme considerado por críticos um dos cem melhores da filmografia nacional – Foto Divulgação

“Quando da ficção o anti-herói de Mário de Andrade (em Macunaíma) possibilita a milhões de brasileiros representá-lo como herói real, encarnando já não mais como ser desprovido de caráter mas transmutado em mau-caráter idolatrado, temos um retrato sem retoques da identidade nacional, acima das cores, polarizações e outras infantilizações do ser brasileiro”.

 

Um professor de Direito da UFSC me alerta sobre a primazia da ação política imediata diante do complexo quadro político. Observação válida diante da postura pessoal de Lula no caso da pressuposta “armação” de Moro (e da Polícia Federal) num articulado plano do PCC para sequestrá-lo.

Bolsonaro com apoiadores nos Estados Unidos – Foto Reprodução

Sim. Militar (agir) é preciso. Mas o pragmatismo que justifica o “não podemos ficar parados” diante da direita deu no que deu… Justamente… Um Rei morto, pleno de compulsões fascistas em férias na Disney e outro posto, ativo e destilando ressentimentos e ódio que tanto combateu… É o que temos, a escolha entre dois populismos, distintos, mas encharcados de heroísmo e más intenções.

A esquerda de governabilidade encarou um desafio histórico, o de ensaiar a democracia num país sem essa tradição liberal, sepultando os críticos na medida do seu recorrente mergulho nas piores tradições.

Defenestrações são a regra de uma direção ávida de composições regionais e locais com o que há de pior na política do jeitinho brasileiro… O PMDB ensinou muito ao PT e satélites de “esquerda”, mas não ensinou tudo.

 

O ex-ministro da Cultura, cientista político e professor da USP Francisco Weffort – Foto IEA

Críticos atrapalham a sinecura e o baixo clero petista e aliados. Aqueles eram usados e depois cuspidos. Agora perdem o espaço para uma crítica mais pragmática, oportunista, oficial para dizer pouco. Primeiro Francisco Weffort, depois Chico de Oliveira, Airton Soares e a turma expulsa em 1985 (com votos contrários de Lula e José Genuíno), seguidos da neutralização de Cristóvão Buarque, Carlos Nelson, Leandro Konder, mais tardiamente, permanecendo aqueles nomes artísticos nacionais e um exército de arrivistas PhDs para legitimar a vontade do Rei e de sua vassalagem. Tarso Genro, Eduardo Suplicy, somente para citar dois grandes intelectuais e políticos, foram destinados, contra a vontade, a permanecer no partido como vacas de presépio dos dirigentes da Revolução passiva.

Lula é quase um Deus intocável. Pode quase tudo com seu rebanho acrítico e de fidelidade canina. Nesse aspecto Bolsonaro ainda mantém, igualmente, sua força armada e não armada de fanáticos seguidores do Salvador da Pátria.

agricultura familiar e o combate à fome – Foto Arquivo/Agência Brasil

Nas esquerdas oficiais, a abstração, o conceito, a reflexão mediativa para intervenções mais profundas soçobrou em face de uma burocracia cada vez distante de movimentos sociais, inclusive do movimento das ideias. Não faltam grupos de trabalho e Comissões (inclusive aquela mais elucidativa da memória ressentida, a da Verdade…) a dissecar os problemas do Brasil. Tudo muito evidente, não obstante um governo sem um projeto para o Brasil, daí a verdadeira salada de improvisações.

Por certo, há boa fé de muita gente dedicada e honesta na base lulopetista e no governo. Mas nos cargos de segundo e terceiro escalão, também nas estruturas sindicais, subalternizam-se os quadros políticos nos seletivos filtros da direção geral, secundarizando o trabalho do pensamento capaz de mudar comportamentos (e sentidos) no fazer política diferente. Interesses estamentais costumam sobreporem-se objetivos mais republicanos.

Ideias se movem no sentido de reimaginar e reinventar o real. Essas atitudes não estão presentes nas elites transformistas. Por incrível que possa parecer, a ultradireita usurpou da esquerda essa capacidade de se conectar com o que no senso comum é demanda social (o leitor deve se lembrar do junho de 2013 e do desdém como tal movimento foi tratado por intelectuais de esquerda), o que explica a vitória de Bolsonaro.

Compreende-se que a urgência do imediato da militância auto reconhecida como de esquerda sobreponha-se ao mediato da intervenção intelectual. Incompreensível a lacração dos que divergem do Chefe maior e dos seus ajudantes de ordem. Pior é o jornalismo de justificação do absurdo.

Presidente Lula – Foto Reprodução CNN

Tomem por base um artigo do jornalista Moisés Mendes ” A armação é mais ampla, mas o ex-juiz aguentará o tranco”? (Brasil 247, 25 3.23). O autor aproveita a infeliz fala do presidente Lula sobre Moro no episódio do trabalho de investigação da PF no plano do PCC para sequestrar o ex-ministro de Bolsonaro, para divulgar uma mirabolante tese. Lula não teria pisado na bola ao debochar e deslegitimar a PF e outras instituições, mas marcado um golaço ao pressentir uma grande jogada da Folha, da Globo e do Estadão, as “corporações que não confiam mais em ninguém”. Segundo o adivinho conspiracionista, Moisés do novo Messias, Moro seria a bola da vez para 2026 e Lula teria percebido essa armação coordenada pelo “lixo” conhecido da mídia, como bolsonaristas consideram a maior rede de TV e os maiores jornais de São Paulo já mencionados.

Paulo de Pimenta

Moisés com suas tábuas de quiromancia reformula mais uma dessas mirabolantes antecipações da política, legitimando o injustificável e memorizando, na história, o absurdo na qual patuleia dos desprovidos de algum discernimento crítico poderão acreditar. Circo é pão. Mas esqueceu de avisar os russos, melhor, Lula, que deverá se desculpar, e o inescrupuloso Paulo de Pimenta, o Béria tardio. Olvidou também de questionar a gigantesca propaganda de Moro, dantes desmoralizado e um peso morto no Senado, promovida pela declaração inoportuna do presidente.

Chico de Oliveira faz uma falta imensa. Os macunaímas de plantão lembram uma quase fábula ou piada, a do coelho avidamente acelerado em cobrir o maior número de lebres, acabando por se confundir, enrrabando o seu próprio Pai.

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