Livros também são personagens da história

A deliciosa história do livro desde a antiguidade é contada por Irene Vallejo no imperdível livro “O infinito em um junco”. O texto é entremeado por referências a filmes, outros livros e autores diversos desse mundo literário.

Alexandre Magno

Misteriosos homens a cavalo percorrem os caminhos da Grécia. Para cumprir sua tarefa, precisam se aventurar pelos territórios violentos de um mundo em guerra quase permanente. São caçadores em busca de presas de um tipo muito especial. O rei do Egito lhes confiou grandes somas ao enviá-los para cumprir suas ordens do outro lado do mar, poucas décadas depois da morte de Alexandre. Todos ficariam surpresos se soubessem o que aqueles cavaleiros procuravam.

Livros, eles procuravam livros.

O rei do Egito, um dos homens mais poderosos da época, daria a vida (a dos outros, é claro) para conseguir reunir todos os livros do mundo em sua Grande Biblioteca de Alexandria. A cidade fora fundada por Alexandre Magno em 331 a.C., depois de um sonho, onde um misterioso velho desconhecido recitou versos da Odisseia que falam de uma ilha chamada Faros, em frente à costa do Egito. Contam que ele só dormia com seu exemplar da Ilíada e uma adaga debaixo do travesseiro. É natural então que seguisse o sonho como um presságio e nesse local fundou a cidade predestinada.

A deliciosa história do livro, desde a antiguidade, é contada por Irene Vallejo no imperdível livro “O infinito em um junco”, entremeada por referências a filmes, outros livros e autores diversos desse mundo literário.

Citado por Irene, Umberto Eco afirma que o livro pertence à mesma categoria que a colher, o martelo, a roda e a tesoura. Uma vez inventados, não se pode fazer nada melhor.
E Jorge Luis Borges compara: “Dos diversos instrumentos do homem, o mais impressionante é, sem dúvida, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da sua vista; o telefone é a extensão da voz; ainda temos o arado e a espada, extensões do seu braço, mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação”.

Não foi Alexandre que criou a famosa biblioteca, mas não seria de espantar que a tivesse construído. “A Terra”, proclamou Alexandre num dos primeiros decretos que promulgou, “eu a considero toda minha”. Reunir todos os livros que existem é outra forma – simbólica, mental, pacífica – de possuir o mundo.

Como restaram poucos vestígios da biblioteca, só podemos imaginar como seria seu interior

A Biblioteca de Alexandria, variada e completíssima, abrangia livros sobre todos os assuntos, escritos em todos os recantos da geografia conhecida. Foi a primeira biblioteca do seu tipo, e a que chegou mais perto de ter todos os livros existentes do seu tempo.
A atmosfera eletrizante em torno daqueles rolos escritos e seu acúmulo na gigantesca biblioteca deve ter sido algo similar à explosão criativa que a internet e o vale do Silício significam hoje. Rolos de papiro contendo longos trechos manuscritos: eis o aspecto dos livros na Biblioteca de Alexandria.

O rolo de papiro foi um avanço fantástico. Depois de séculos de busca por suportes e de escrita humana sobre pedra, argila, madeira ou metal, a linguagem finalmente encontrou seu lar na matéria viva. O junco de papiro, planta típica e praticamente exclusiva das águas do Nilo, foi a base da inovação que o mundo inteiro importava.

Ptolemeu V Epifânio

Bibliotecas se espalharam pelo mundo e provocaram rivalidades com repercussões históricas. No começo do século II a.C. o rei Ptolomeu V, mordido pela inveja, procurava uma forma de prejudicar uma biblioteca rival fundada na cidade de Pérgamo, atual Turquia.
Interrompeu o fornecimento de papiro ao reino rival para subjugar a biblioteca inimiga. Para frustração dele esse embargo provocou um grande avanço, que imortalizaria o nome da cidade rival. Em Pérgamo, reagiram aperfeiçoando a antiga técnica oriental de escrever sobre couro e, em referência à cidade que o universalizou, o produto melhorado foi chamado de “pergaminho”.

Depois vieram o papel, a prensa de Gutemberg e o resto da história, mas, mesmo assim, é difícil imaginar o deserto de livros que era a época manuscrita, onde a cópia de cada livro era feita à mão por escribas. No nosso século XXI, publica-se um título novo a cada meio minuto, 120 por hora, 2800 diariamente, 86 mil por mês.

Livros não servem apenas para contar a história, livros também são personagens da história.

* No texto usei frases inteiras do livro pra não perder o espírito criado pela autora

– Evandro Milet – Consultor em inovação e estratégia e líder do comitê de inovação do Ibef/ES

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