Bolsonarismo é visão de mundo

Algumas pessoas acreditam fielmente no que prega o ex-presidente e seguem seus dogmas no dia-a-dia

Bolsonaristas - Fabio Rodrigues Pozzebom/ABR

Certo dia no salão onde frequento uma senhora que aparentava uns 70 e pouco começou a discorrer sobre a ineficácia das vacinas enquanto cuidava de suas unhas. Disse que tomou apenas a primeira dose da de COVID porque seu filho, que é médico, disse que existem comprovações de que a vacina faria mais mal do que bem e que várias pessoas haviam morrido ou ficado com graves sequelas por causa do seu uso. Para completar, disse que já está comprovado que máscara não adianta nada.

Pfizer Baby para crianças sem comorbidades começa a ser aplicada – Foto Andro Araujo/Agência Brasília

Uma mulher que estava no lavatório revirou os olhos e, com certo deboche, falou que ela deveria estar correta, por isso era melhor que seus netos não tomassem nenhuma vacina. A senhora não percebeu a ironia e, para surpresa de todos, assentiu com a cabeça.

Durante a aula de dança charme que faço aos sábados uma colega comentava sobre sequelas no pulmão que teve decorrente da COVID e disse que o médico acredita que graças às vacinas o caso dela não evoluiu para algo mais grave.

Outra colega, ao ouvir o relato, foi logo falando que não é bem assim. Que quem tinha que pegar pegou. E quem tinha que morrer morreu. A outra discordou e acrescentou que o governo anterior foi negligente e que muitas vidas poderiam ter sido salvas.

A conversa, é claro, evoluiu, mas não chegou a pesar o clima. A colega que acha que vacina não faz diferença resolveu se posicionar em outros assuntos. Parecia que estava com a boca amarrada há meses e precisava desabafar.

Índio Txukarramãe – Foto Orlando Brito

Começou negando com veemência a negligência do governo anterior. Do nada ela disse: “dizem que não gosto de índio só porque votei em Bolsonaro”. O resto da turma ficou calada. Ela seguiu seus argumentos falando “mal” do feminismo. E continuou a verborragia discorrendo sobre questões de gênero, que, para ela, se restringem a homem e mulher, sem variações ou nomenclaturas “esquisitas”. Ninguém ali estava a fim de discutir, por isso demos um jeito de mudar o rumo da prosa, apesar de perceber que ela estava louca para esticar o assunto.

Só me manifestei quando ela falou: “a verdade tem que ser dita”. Eu retruquei: “a verdade não, o seu ponto de vista, assim como o ponto de vista da outra colega”. Há algum tempo percebi que não vale a pena discutir certas coisas com certas pessoas. Além disso, o bom astral da nossa aula não merecia confusão. Conseguimos parar com a falação e voltar nossa atenção para a contagem dos passos.

Manifestante pró-Bolsonaro – Fotos Orlando Brito

Voltando à senhora do salão, a manicure que estava lhe atendendo cochichou para nós que ela é bolsonarista. Nem precisava ter se dado ao trabalho, essa informação estava implícita no comentário dela.

Depois desses episódios e tantos outros que não cabe relatar agora, fica claro que o bolsonarismo não é apenas uma questão política, mas uma visão de mundo.

É incrível como certos argumentos, por mais absurdos que pareçam, e alguns preconceitos velados e às vezes explícitos se tornaram marcas de um tipo de pensamento, quase um dogma.

Bolsonaristas em manifestação pró-voto impresso – Foto Orlando Brito

O questionamento sobre a eficácia das vacinas, a certeza de que as urnas podem ser fraudadas, o ódio às lutas das minorias, o desprezo a qualquer ação que busque melhorar efetivamente a vida dos mais pobres, a apologia às armas, o antifeminismo, o preconceito em relação às diferenças, o moralismo anacrônico e hipócrita, o uso do nome de Deus em vão são alguns dos pontos de vista que deixam claro a que grupo a pessoa pertence.

Se alguém costuma usar nos debates mais de três desses argumentos, melhor não contrariar, nem confrontar. Provavelmente esse caso não tem solução

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