A farsa da reforma agrária

O PT usa a reforma agrária como palavra de ordem demagógica, destinada a iludir ingênuos e mal informados, e para aterrorizar proprietários rurais desconhecedores dos seus direitos e mal defendidos das invasões. O assunto é sério. Não se presta à demagogia populista.

Foto Fabio Pozzebom/Agência Brasil

Uma das questões sociais mais discutidas, pouco analisadas e mal conhecidas, diz respeito à reforma agrária.

Constituição do Brasil, promulgada em 1988 – Arte: Lucas Lambertucci / Alep

A expressão reforma agrária surge com a promulgação da Constituição de 1988, no Capítulo III do Título VII, que trata da Ordem Econômica e Financeira. O mencionado Capítulo dispõe sobre a Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária. Nesse sentido prescreve o Art. 184: “Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo a sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”.

Como o artigo transcrito, os dispositivos seguintes estão impregnados de subjetividade, vício característico da legislação brasileira, destinado a abrir espaços à toda sorte de interpretações pela doutrina, Ministério Público e Poder Judiciário.

As Constituições que a precederam não trataram do assunto. Cuidaram, como o fez a Constituição de 1967 (Emenda nº 1/1969), da permissão conferida à União para “promover a desapropriação de propriedade territorial rural, mediante pagamento de justa indenização, fixada segundo os critérios que a lei estabelecer, em títulos especiais da dívida pública com cláusula de exata correção monetária, resgatáveis no prazo de vinte anos, em parcelas anuais sucessivas, assegurada a sua aceitação, a qualquer tempo, como meio de pagamento até cinquenta por cento do imposto territorial rural e como pagamento do preço de terras públicas” (Art. 184). Não se falava em reforma agrária.

Colheita e drone – Foto Blog.agrointeli.com.br

Nos últimos cinquenta anos a agricultura passou por radicais transformações. Deixou de ser celeiro de empregos, na medida em que substituiu o trabalho braçal pelo uso de equipamentos mecânicos cada vez mais sofisticados, produtivos e onerosos. Basta observar a lavoura canavieira, onde o trabalhador volante, conhecido como boia fria, desapareceu para dar lugar à colhedeira.

Na agricultura moderna o insumo menos oneroso é a terra, adquirida uma única vez em hectares ou alqueires, por preços variáveis. Comprada a terra, surgem as grandes despesas, renovadas a cada safra e entressafra. É necessário arrotear o solo, eliminar ervas daninhas, gradear, fertilizar, corrigir, aplicar agrotóxicos e defensivos animais. Nada mais se faz com enxada, foice, arados e carroções à tração animal. São necessários tratores, caminhões e máquinas específicas computadorizadas, dirigidas por condutores especializados muito bem remunerados.

Agricultura familiar – Foto MDA

O minifúndio e o lote de um ou dois hectares, não se prestam à agricultura mecanizada, exceto para cultivo de flores, frutas de mesa, legumes e verduras, onde também são usados equipamentos motorizados. A pequena e média propriedade rural e a propriedade produtivas são insusceptíveis de desapropriação para fins de reforma agrária, determina o Art. 185. Segundo o Parágrafo Único do referido dispositivo, “A lei garantirá tratamento especial à propriedade produtiva e fixará normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua função social.”

Esta lei especial não existe, nem mesmo em projeto, Não existe, também, lei disciplinadora dos requisitos do Art. 186, segundo o qual a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente as exigências relativas ao: I) aproveitamento racional e adequado; II) utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III) observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV) exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

O Partido dos Trabalhadores (PT) usa a reforma agrária como palavra de ordem demagógica, destinada a iludir ingênuos e mal informados, e para aterrorizar proprietários rurais desconhecedores dos seus direitos e mal defendidos das invasões.

Os Sertões de Euclides da Cunha

Dentro das exigências objetivas e subjetivas da Constituição, é impossível a reforma agrária. Exceto se implantada em terras cuja pobreza não resulta da indolência do proprietário, mas da impropriedade do solo, ou por ser acidentado, tornando impraticável o uso de máquinas, ou por ser arento e chão – como o descreveu Euclides da Cunha em Os Sertões -, impróprio para o cultivo até do resistente eucalipto e do retorcido cambará, onde brotam a palma, o cacto, o mandacaru, e sobrevive o calango.

Em Gramática das Civilizações, Fernando Braudel registrou que as experiências socialistas “malogram justamente na agricultura”. Prossegue: “Aliás, todas as tentativas de reforma agrária, em todos os tempos e lugares, quando pretendem ser rápidas e radicais, tem trazido dissabores: as estruturas agrícolas estão entre as estruturas mais resistentes”.

O assunto é sério. Não se presta à demagogia populista. Deve ser encarado com respeito e seriedade.

– Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.

 

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