A democracia de Putin e a dos outros: o xadrez de nova ordem mundial

O autor mostra como a crise na Ucrânia é mais uma peça movida no tabuleiro do minucioso jogo no qual o líder russo aceita a supremacia chinesa no mercado global em troca da direção política de uma nova ordem mundial

Vladimir Putin, presidente da Rússia

De Putin espera-se o pulso forte de um homem da inteligência e serviços secretos (KGB e FSB). Um herdeiro do que restou da nomenclatura, com ambições de ser o grande líder restaurador do império soviético de outrora, agora pragmático diante da força do capitalismo e de seus mercados, e da necessidade de protagonizar uma Nova Rússia.

Deng Xiaoping e Xi Jinping – Foto Freedomhouse.org

Putin representa a alternativa de seu país fortalecer-se em face da ordem mundial econômica esquadrinhada pela China desde Deng Xiaping  e acelerada por Xi Jinping, contra o qual não ousa nem lograria competir.

A Rússia depende e dependerá enormemente da China em termos comerciais e com ela estreitou  as relações de forma intensa nos últimos anos. O líder russo articula um minucioso jogo de xadrez no qual aceita a supremacia chinesa no mercado global em troca da direção política da nova ordem. Como assim?

Mikhail Gorbachev

Na década de oitenta Gorbachev pensou a abertura da União Soviética, anunciando a modernização do mercado (perestroika) e da política (glasnost), embora o prêmio Nobel não julgasse necessária a superação do sistema socialista.

Putin não tem compromissos com o comunismo, mas com formas híbridas de capitalismo e tradição czarista de exercício de poder, inclusive com forte apoio de milícias vinculadas ao antigo regime monarquista. Com ele o paradigma autoritário é a base de desenvolvimento (econômico e social) com legitimação por resultados sociais positivos em face do vexame dos sistemas constitucionais do Oeste. Putin parece seguir a ideia segundo a qual o crescimento econômico não necessita de democracia, aliás, ela atrapalha os processos decisórios para a acumulação e distribuição.

O presidente russo compreendeu duas coisas com a crise do modelo de democracia política ocidental:

1a) instituições modernas nada têm a ver com a Rússia, com a China e com muitos aliados de ambos mundo afora (Irã, Venezuela, entre tantos outros países distanciados dos sistemas políticos dos EUA e da Europa);

2a) instituições modernas não servem de exemplo para estabilizar a ordem capitalista mundial, sequer no Ocidente, por crescente incapacidade de  satisfazer as demandas sociais diante de uma globalização financeira seletiva, predadora e produtora de instabilidade institucional em todo o planeta.

Czar Vladimir IV Putinova, o Governante Eterno

Na questão  Ucrânia, Putin em seu discurso em que reconhece territórios ucranianos sob controle de separatistas russos (e envia tropas para manter a “paz”), deixa claro que a Ucrânia foi da União Soviética e dela foi retirada pela via de golpes e do apoio de potências adversárias. Repete o mesmo discurso de quando anexou a Geórgia, em 2008. O futuro Tzar Putin percebe ainda que pode ser o homem à frente de um processo de construção urgente de uma nova ordem mundial.

A Rússia é a segunda potência nuclear do mundo e precisa da potência industrial chinesa. Sendo em boa medida mais europeia e  ocidental que a China, presidindo o Conselho de Segurança da ONU, coloca -se como o braço político de uma hegemonia de mercados emergentes fora a órbita direta dos EUA e aliados na Europa, principalmente.

Ficam em aberto alguns pontos nevrálgicos: as consequências dramáticas dos boicotes em curso nas regiões ocupadas, na Ucrânia, na Rússia e em todo o mundo; a relação da Otan com a Rússia (em suas alianças no Oriente, Ásia e América Latina); o sistema financeiro mundial (a bolsa caiu imediatamente ao pronunciamento televisivo de Putin); os efeitos prematuros no ritmo esperado de crescimento da economia chinesa para os próximos anos.

Na China talvez a hipótese de uma revolução burguesa – ou de processos sociais em defesa de direitos fundamentais hoje quase inexistentes, seja esperada na medida do incremento do crescimento e da ampliação do consumo (nele incluído o consumo de cultura).

No Brasil é de se esperar uma grande interrogação em caso de vitória de qualquer um dos candidatos mais fortes. Como se comportará a nossa política diplomática nesse contexto de crise orgânica do grande bloco histórico dominante globalmente, ligado aos EUA e parceiros diante do ascenso de uma nova hegemonia mundial, já esperada com a emergência espetacular da China e apressada na polarização atual anunciada sob a iniciativa ousada da Rússia?

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