De que altura ficaria uma folha de papel dobrada 50 vezes? Você não vai acreditar, mas teria uma altura aproximada de 100 milhões de quilômetros (a distância da Terra ao Sol é de 150 milhões de quilômetros)! Vá no Google e veja quanto é 2 elevado a 50 vezes a espessura de uma folha. Todos os dias somos confrontados com a nossa deficiência de lidar com a matemática. Uma função exponencial, então, é uma tortura para o nosso cérebro.
Apostamos na mega sena com uma chance em 50 milhões e com isso pagamos um imposto por não saber fazer contas. Aliás, pelas estatísticas registradas na cidade de Campinas, a probabilidade de ser atropelado no caminho para a casa lotérica é “consideravelmente maior” do que a de acertar as seis dezenas do sorteio. Pagamos juros exorbitantes em prestações também por não conseguir fazer contas. Também não acreditamos que uma amostra de 3000 pesquisas consiga prever o resultado de uma eleição nacional porque nunca conhecemos alguém que tenha sido entrevistado.
Em um trabalho sobre qualidade em uma indústria descobrimos um erro fundamental de medida porque o responsável arredondava, por exemplo, 9,08 para 9,8 desprezando o zero. Colocar uma informação no formato de um gráfico é tarefa impossível para muitos.
Nos debates políticos no zap, tentei mostrar que o alegado número astronômico de motos em uma motociata não era possível. Bastava multiplicar a quantidade que cabia na largura da pista pela quantidade de motos possível em uma fila de um quilômetro para ter a quantidade de motos por quilômetro. O número alegado e propagado necessitaria de uma extensão impraticável de estrada. Se houvesse uma fogueira digital ali eu teria sido queimado como herege. Médicos que não tiveram formação em estatística preferiram acreditar mais em sua prática clínica do que nos testes randomizados e duplo cego dos cientistas e receitaram remédios ineficazes que aparentemente funcionavam.
Certa vez, em uma palestra, um dirigente de um órgão nacional de arrecadação se vangloriava do próprio trabalho, mostrando sequencialmente que a arrecadação, estado por estado, havia crescido acima da média daquele ano. No décimo estado seguido citado como acima da média, perguntei, de brincadeira, se a meta seria que todos os estados tivessem crescimento de arrecadação acima da média, com o que ele imediatamente concordou entusiasmado, para espanto dos poucos que perceberam a impossibilidade matemática.
Tudo bem que a matemática provoca situações estranhas como o caso onde eu como dois frangos e você não come nenhum embora, na média, cada um coma um frango. Em outra esquisitice, se a bolsa de valores cair 50%, para voltar onde estava ela terá que subir 100%. Ou a piada do sujeito que sempre levava uma bomba quando entrava em um avião porque lhe disseram que a probabilidade de haver duas bombas no mesmo avião seria muito pequena. A pouca familiaridade com a matemática cria enormes oportunidades para a manipulação de dados e por isso, um cínico já disse que estatística é a arte de torturar os números até que eles confessem.
Fora brincadeiras, a rejeição que a matemática provoca em grande número de estudantes pode ser profundamente perigosa para o país. O apagão de engenheiros e a carência de desenvolvedores em TI que temos e teremos nos próximos anos tem a ver com a carência de raciocínio lógico por causa dessa rejeição. Isso fica claro no péssimo desempenho dos jovens nas provas de matemática das avaliações domésticas e internacionais, como o resultado do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos da OCDE) onde o Brasil, em 2018, ficou entre os últimos 10 no ranking de 80 países.
O resultado mostra que mais de dois terços dos estudantes brasileiros de 15 anos não possuem o nível básico de matemática para o exercício pleno da cidadania. Os níveis mais altos de desempenho são atingidos por apenas 2,5% dos estudantes brasileiros.
O Pisa busca medir a realização de operações básicas, raciocínio e as descobertas matemáticas mediante o uso de conteúdos matemáticos como estimativa, mudança e crescimento, espaço e forma, raciocínio quantitativo, incerteza, dependências e relações. Todas estas noções são fundamentais para qualquer desenvolvimento profissional e mesmo para cada cidadão viver o dia-a-dia.
E onde está o problema, então? Simon Schwartzman, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), vai ao ponto: “Se a língua portuguesa é um componente de cultura geral, que as crianças podem obter junto à família, a matemática requer um estudo sistemático, que só as escolas podem dar”. Dessa forma, explica, “os baixos resultados de matemática mostrariam a dificuldade que as escolas encontram em transmitir um conhecimento mais formal e sistematizado, que seria uma de suas funções centrais”.
É fundamental um esforço sem precedentes para a capacitação de professores com o preparo necessário para transformar o ensino de matemática em algo interessante e prazeroso para os estudantes.
– Evandro Milet – Consultor em inovação e estratégia e líder do comitê de inovação do Ibef/ES