Quero minha pátria de volta. Sem ódio.

Foto Divulgação

Moro num bairro de bolsonaristas. Votar no Lula por aqui é mais ou menos como fazer parte de uma seita secreta. Fazemos sinais, comentamos a eleição em voz baixa, usamos peças (discretas) de roupa vermelhas, vibramos quando alguém mais corajoso escancara, como uma senhora que, domingo passado, resolveu passear no shopping embrulhada na bandeira do Lula. Mas colar plástico dele é pedir para alguém arranhar o carro, e até a mais mísera praguinha pode dar confusão na padaria.

Fila de Votação – Foto Antonio Cruz/Agência Brasil

Votei no primeiro turno cercada por um mar de camisas amarelas na minha seção eleitoral, e fiquei com muita raiva. Criada na ditadura, custei muito a me reconciliar com os símbolos pátrios, e só depois de adulta aprendi a amar as cores, a bandeira, o hino do meu país – que hoje decorei de cabo a rabo, sem errar uma estrofe sequer.  Tive muita raiva, nesse dia, de o Bolsonaro ter nos roubado o verde-e-amarelo e tudo o mais.

Pensei que o bolsonarismo tentou roubar minha pátria. Mas que ela é minha também, e tenho fé vamos recuperá-la no domingo – não para nós, mas para todos.

E foi aí que eu fiquei com raiva de ter raiva. E refleti que o efeito mais nefasto da era bolsonarista , o risco maior que ele trouxe à democracia, foi este: fez um contingente enorme de brasileiros, seja de que lado estão, terem ódio de outros brasileiros. Nos últimos anos, passamos do patamar de adversários políticos, críticos pentelhos ou oponentes ideológico para o de inimigos e agressores, às vezes até fisicos.

Dilma Rousseff durante pronunciamento sobre o resultado de seu impeachment no Senado. Fotos Renato Alves/ObritoNews

O caminho percorrido para chegar a esse grau de acirramento passou pela irresponsabilidade das elites, pela Lava Jato turbinada pela mídia, pelo impeachment de uma presidenta e pela prisão injusta de outro. Mas o ódio foi adubado e colhido por Jair Messias Bolsonaro, que tratou de distribuí-lo país afora, arrastando vizinhos que, até ontem, conversavam amigavelmente na padaria – embora tivessem credos políticos distintos.

É por isso que, mais do que resgatar os símbolos da minha pátria, eu gostaria – se, no domingo, vencer aquele que nós achamos que vai – de resgatar aqueles tempos em que se podia chegar nas festas e discutir política com nossos amigos contrários, entrar e sair do restaurante com nossas camisetas da cor que fossem, andar com o carro cheio de plásticos.  A vida tinha muito mais graça.

Papa Francisco: ‘Peço a Nossa Senhora Aparecida que livre o brasileiro do ódio’ – Foto Divulgação / Vaticano

Sem querer ser piegas mas já sendo, queria voltar a abraçar meu amigo bolsonarista e combinar que o que passou, e nos distanciou tanto, não quebrou a amizade. Quem sabe, fingir que, no tempo da maldade, a gente nem tinha nascido. E tocar a vida, orando com Francisco, nosso Papa peronista, para que Nossa Senhora ajude a livrar o povo brasileiro do ódio. Amém!

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