Não dá para achar normal que uma declaração de apoio das Forças Armadas à democracia brasileira, junto com o esclarecimento de que “os militares atuarão, no âmbito de suas competências, para que o processo eleitoral transcorra normalmente e sem incidentes”, venha do STF. Era quase uma platitude, uma obviedade, e ainda por cima foi divulgada por terceiros – o Supremo, em nota informativa sobre o encontro de seu presidente, Luiz Fux, com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira.
Umas duas horas depois, já de noite, talvez em resposta, a Defesa soltou sua própria nota – na verdade, mais acanhada ainda. Seis linhas intrigantes: “Nesta terça-feira, o Ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, foi recebido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, na sede do Tribunal. Durante o encontro, foram discutidos temas institucionais, tal como o respeito entre as instituições. Também foi tratada a colaboração das Forças Armadas para o processo eleitoral. O Ministro da Defesa reafirmou, ainda, o permanente estado de prontidão das Forças Armadas para o cumprimento das suas missões constitucionais.”…
Nesse texto, saltam aos olhos duas coisas: 1. a ausência da palavra “democracia”; 2. o intrigante uso da expressão “de prontidão”. O referido “estado de prontidão das Forças Armadas” está relacionado, na frase, ao cumprimento de suas “missões constitucionais”, mas não é preciso ir muito longe para lembrar as divergências entre bolsonaristas e constitucionalistas em relação ao papel interno das Forças Armadas na questão da ordem pública.
É possível supor, e saudar, a forte probabilidade de o encontro entre Fux e Paulo Sérgio tenha contribuído para amenizar a crise entre os poderes da semana passada. Mas esteve longe, muito longe, de ter o efeito tranquilizador que deveria. Pior do que o fato de a nota de Defesa não falar em democracia é a ausência, nas duas, da única afirmação que seria razoável fazer nesse momento turbulento: a de que as Forças Armadas vão aceitar e garantir o resultado da eleição, qualquer que seja ele.
Enquanto isso não for dito com todas as letras, restará um cheiro de insegurança no ar. Nada indica que haverá golpe numa provável derrota de Bolsonaro e que, se houver, ele vingará de alguma forma. São os próprios militares que, nos bastidores, o asseguram.
Seguem, porém, botando azeitonas nas empadas de Jair Bolsonaro. Permitem que prosperem incertezas a partir de suas próprias notas, apresentam questionamentos já respondidos sobre o sistema eleitoral ao TSE, deixam-se usar como instrumento de ameaça pelo presidente candidato à reeleição.
Com exceção da turma palaciana do DAS, os militares da ativa podem, de fato, não estar pensando em golpe. Estariam seguindo com Bolsonaro a receita dos médicos com os doidos de pedra: não contrariam e deixam falando sozinho. Depois que perder a eleição, cumpra-se a Constituição.
O problema é que, com isso, continuam de prontidão para a próxima crise a ser criada pelo presidente, que voltará a tumultuar o ambiente e disseminar inseguranças na campanha. Ao que parece, é o que ele quer.