O dia hoje amanheceu mais triste para nós que fazemos Os Divergentes. O jornalista José Antônio Severo, amigo e colaborador desde o começo do site, partiu na madrugada desta sexta-feira vítima de uma parada cardíaca durante uma cirurgia, deixando familiares e amigos profundamente consternados.
Aos 79 anos, Severo era um profissional de múltiplos talentos. Jornalista, escritor, produtor cinematográfico, tinha um currículo invejável. Foi editor executivo da revista Exame, editor e diretor da Gazeta Mercantil, editor chefe do Jornal da Globo e diretor geral de Jornalismo da Rede Bandeirantes. Também atuou como repórter dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, das revistas Realidade e Veja. Na televisão, integrou a bancada do programa Crítica & Autocrítica da Rede Bandeirantes e foi âncora do programa Primeira Página da TV Nacional de Brasília.
Severo é autor de Rios de sangue e Cinzas do sul, lançado em 2012, narra 100 anos de guerra no continente americano. Os dois volumes são resultado de uma profunda pesquisa que incluiu leitura de várias obras históricas e visitas aos locais que foram palco das maiores batalhas travadas nos séculos 18 e 19.
Em 2008, o jornalista escreveu General Osório e seu tempo. A obra detalha os antecedentes familiares, políticos e econômicos do militar que se envolveu em vários episódios de uma longa guerra, que durou um século, definiu nações e marcou a passagem entre dois mundos.
O primeiro livro foi Senhores da Guerra, romance histórico ambientado na primeira metade do século no Rio Grande do Sul, que virou roteiro do filme homônimo, lançado em 2016. Dirigido pelo cineasta e escritor gaúcho Tabajara Ruas, foi estrelado pelo ator Rafael Cardoso.
Nascido em Caçapava do Sul, um dos municípios mais antigos do Rio Grande do Sul, localizado a 272 quilômetros de Porto Alegre. O corpo será velado amanhã, na cidade onde nasceu.
Severo deixará uma saudade imensa em nós, Os Divergentes. Descanse paz, amigo!
Helena Chagas, Andrei Mereiles, Itamar Garcez, Ivanir Bortot, Iva Velloso, Orlando Brito
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Abaixo, o derradeiro artigo escrito pelo colega José Antônio Severo para Os Divergentes:
Bolsonaro e Biden atacam moinhos de vento nas Nações Unidas
Os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden foram os primeiro e segundo oradores da Assembleia-Geral da ONU, pela precedência dos países vencedores da Segunda Guerra. Na sua origem, Nações Unidas era o nome de uma coesão militar para enfrentar as potências do Eixo: Alemanha, Itália e Japão e seus satélites (Áustria, Romênia, Hungria, Albânia, Manchúria, Coreia etc.). O Brasil, com suas bases no Nordeste e a esquadra da Batalha do Atlântico Sul (depois ainda com a FEB e a FAB no teatro de operações europeus), tinha o status de nação beligerante central, ao lado dos EUA, União Soviética, Inglaterra, China e dissidência França Livre, agregando seus satélites, como Polônia, Países Baixos, Dinamarca, Noruega, Marrocos, Índia, que, mesmo contribuindo com tropas, não integraram o comando político, embora tivessem papel relevante na vitória.
Os dois presidentes cumpriram seus papéis protocolares, legados pelos fundadores da ONU, criando uma tradição já quase centenária: Oswaldo Aranha e Harry Truman (o presidente brasileiro Getúlio Vargas não foi) fizeram os primeiros discursos da entidade guerreira transformada em centro mundial da paz. Nesta configuração, o Brasil era um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, mas foi retirado por pressões de Josef Stalin, então ditador da URSS. Perdeu a cadeira, mas não a precedência. Com isto, abriu-se espaço para Bolsonaro atacar seu moinho de vento, a ameaça comunista, e Biden a fake diante do mundo declarando-se satisfeito com os resultados militares e políticos da guerra do Afeganistão.
Muitas teses conservadoras de Bolsonaro não são tão unanimemente rejeitadas no cenário interacional, como muita gente pensa por aqui. O presidente brasileiro é ouvido e acatado em vastas regiões do planeta, como no Leste Europeu, na Rússia, na Ásia das antigas repúblicas soviéticas, nas autocracias monárquicas médio-orientais e na África. Ele é mais combatido nos espaços da civilização ocidental moderna.
O Afeganistão já era
Já Biden teve problemas em seu discurso sobre o Afeganistão. Teve de dizer que o final da festa foi positivo, mas precisou esconder porque dizia o que disse. Saia justa, pois ele implementou o acordo do seu adversário e antecessor Donald Trump. A ideia central de Trump seria que os 20 anos de ocupação norte-americana foram uma lição de bom tamanho ao governo talibã do Emir Omar por ter dado asilo aos terroristas estrangeiros sauditas de Osama Bin Laden. E a guerra fora só isso, para dar uns cascudos nos sunitas, pois, no passado, na verdade, o talibã fora levado ao poder no Afeganistão pelos financiamentos da CIA, norte-americanos, na guerra contra os russos. Era um aliado de castigo. Apenas pisaram na bola.
Entretanto, foi Trump que fechou tal acordo, algo improvável e tão inacreditável que Biden não pode explicitar seu apoio. Tem de dizer que seu governo cumpre decisões de estado concluídas legitimamente. Com o controle efetivo do governo afegão pelos talibãs, um estado governado pela sharia, a lei sunita, coloca mais um tapume no cerco ao Irã: ao Sul, o Reino da Arábia Saudita, sunita; a Leste, os inimigos figadais do Iraque.
O Talibã ficou de quarentena vinte anos, mas voltou com nova liderança, já com o peso do chicote nas costas, dizendo ao mundo que vai cuidar apenas de seu torrão. Estrangeiros que botarem o pé lá para fazer subversão, serão presos e devolvidos a seus algozes. Ou seja: o Afeganistão é um estado nacional que vai se fechar em seus limites. E vão ficar por ali. As mulheres, os homossexuais, as minorias religiosas e étnicas ou os odiados xiitas da Aliança do Norte e seus caudilhos, que se entendam politicamente com os novos donos do poder. Como muitos deles são radicais, estão armados e organizados, haverá uma guerra civil. Por isto os norte-americanos providencialmente esqueceram-se de copioso material militar, deixado para trás na retirada, que já está em uso pelos talibãs para estabilizar seu governo e bater forte nos seus antigos aliados sunitas do Estado Islâmico K, apoiados pelos sauditas, agora convertidos em inimigos do povo.
Veladamente, diz Biden: o estado que admitir inimigos dos Estados Unidos em seus territórios será destruído implacavelmente, como, depois do Afeganistão, ocorreu no Iraque, Líbia, Sudão. O que vier depois, paciência. As culpas da destruição desses países, diz o chefe de estado americano, é culpa de sua audácia de darem apoio a terroristas que foram cometer violências em território norte-americano. Já as bombas na Europa não são com eles, os europeus que cuidem de seus dissidentes e suas bases no exterior.
Há mais atores. Os russos apoiam os talibãs pelo mesmo motivo que os norte-americanos: o medo dos sunitas da Chechênia. A diferença é que o governo de Moscou fala as claras, e aparece no cenário mundial como agindo contra os Estados Unidos. Bobagem.
O mesmo motivo tem a China que, apoiando com investimentos, espera que os talibãs fechem a retaguarda dos rebeldes muçulmanos da nação do Uigures. Seguindo o padrão de sua diplomacia moderna (pois o conflito sino-afegão, entre muçulmanos e budistas, é antigo, de séculos), Pequim vai despejar baldes de dólares para assegurar a boa vontade de seus novos aliados. Vai dar certo. Menos uma fronteira com conflito no mundo. Talibã é paz.
Biden livrou-se dessa batata quente, deixada por seus antecessores, numa negociação que seria tida como estapafúrdia, tal qual os diálogos com a Coreia do Norte. Foi às Nações Unidas dizer que venceram, embora por todos os lados haja vazamentos dessa contenção talibã, que será uma república islâmica antinorte-americana. Mas sem abrigar terroristas. Isto basta.
Assim Joe Biden e Jair Bolsonaro aplicaram suas versões para fatos controvertidos. A verdade inacreditável de Bolsonaro é muito séria, pois falando contra o comunismo ele dá ao mundo qual será tom do debate a que pretende puxar seu adversário na campanha eleitoral do ano que bem: anticomunismo na cabeça. Também Biden deu gritaria no mundo ocidental inteiro, pela incrível declaração de vitória na guerra que todos dizem ter sido perdida. Mas se livraram dos sapos que os engasgavam. Muito interessante os objetivos dos dois grandes rivais do Novo Mundo nas Nações Unidas.